Até o café esfriar
Qual foi a última vez que você pediu um café e ele esfriou enquanto você estava totalmente hipnotizado pela conversa com o outro?
O café está tão quente que lança uma fumaça de vapor no ar. A xícara parece meio rachada, colada recentemente... Essas cafeterias vintage são um barato, né? Me espreguiço na cadeira e observo a vida cotidiana pela janela da cafeteria, há um casal de idosos atravessando e eles parecem próximos. É provável que tenham vivido uma vida juntos, entre reclamações de toalha molhada e esquecimento de aniversários. No entanto, estão ali, juntos, sentindo o tempo passar com toda sua indiferença ao nosso corpo perecível. Olho para a xícara novamente, o relógio no celular, a fumaça dançando no ar, agora me pergunto: por que é tão difícil conhecer alguém?
Conhecer: palavra comum, corriqueira, mas se você parar para pensar… há algo mais complexo nisso. Vivemos tempos em que tudo está ao alcance de um toque: a nova música do momento, aquele filme dos anos 1980 remasterizado, o perfil de alguém que você nunca viu, mas já sabe o nome do doguinho. Acessar virou rotina. Mas conhecer… ah, conhecer é outra história.
São 14h35. Será que vai demorar? Ainda quero terminar de ler um livro quando chegar em casa… espero que esse encontro não seja ruim.
Se a gente conseguisse, nem que fosse por um instante, olhar tudo pela lente do conhecer, talvez fosse mais leve. Um “ei, estou aqui para te conhecer com toda minha vulnerabilidade e verdade” já bastaria. Isso que você está entendendo como "arriscar perder tempo", é isso mesmo. Sem prometer amor, sem prever futuros. Só a curiosidade genuína de saber quem é o outro. Conversar. Observar. E, se fizer sentido, deixar claro o que se quer, mas só depois de atravessar a primeira camada.
Vou pedir uma torta red velvet… melhor não, o último encontro em que comi isso não me fez muito bem. Quem se atrasa no primeiro encontro, gente? Pelamor!
O problema é que hoje tudo está pronto, nos acostumamos com a ideia de esforço mínimo. Tem app para tudo. Três toques e você já está com alguém. Mas estar com alguém, nesse sentido profundo da coisa, ainda é uma jornada. Conhecer alguém ainda é atravessar território desconhecido. É descobrir onde a alma respira, onde o riso nasce, onde a dor mora. Só aí talvez surja algo que valha a pena desenvolver.
Não precisa saber o que quer logo de cara. Nem dá. A gente que inventou isso para otimizar as relações – ou o que sobrou delas. Como exigir algo de quem você mal conhece? Seria mais sábio trocar a ansiedade por curiosidade, não? Só conhece. Com o tempo, a clareza aparece: “com você eu quero uma amizade”, ou “com você eu quero algo mais”. E aí sim, você decide se vale investir, marcar outro encontro e se abrir um pouco mais. Um ponto importante também: não é porque não deu certo o primeiro encontro ou o suposto timing para o início de uma relação passou, que não tem mais volta, que loucura termos naturalizado essa dinâmica. Desvendar e construir uma relação, spoiler: leva tempo. E a pergunta que brota é: quem tem tempo para isso hoje?
15h já… Estava pensando… por que precisamos ser tão apressados? Talvez seja porque na bio do aplicativo colocamos ‘relacionamento sério’. Isso já cria um peso, como se o encontro tivesse que ser o início de um namoro ou terminar em uma relação sexual. Será que eu vou sair daqui namorando alguém que vi apenas seis fotos no app, migrei a conversa para o Instagram, e isso foi o suficiente para sair de casa hoje?
Vivemos de encontros rápidos, sem destino certo. Tudo é casual, mas o desejo de conexão corrói por dentro. Tem muita gente sonhando em se apaixonar, encantada com a ideia do amor, mas travada no processo. Porque amar é demorado. E o agora não espera.
“Pra quê que eu tô falando com essa pessoa?”, alguém se pergunta. “O que ela vai me oferecer em troca?”. Talvez nada. Porque você ainda nem sabe quem ela é. Como pode querer algo de alguém que você nem conhece?
O caminho para conexões reais passa por esse mergulho no outro. Não é sobre acessar facilmente, é sobre presença. E quando você consegue estar com o outro, de verdade, aí sim existe a chance de criar algo: um laço, um elo, uma história que não precisa ser grandiosa, só precisa ser sincera.
Mas a pergunta continua no ar: em meio a tantos vídeos no TikTok, tantos conselhos que mandam “jogar fora se não servir”, quem ainda está disposto a conhecer alguém de verdade? Essa resposta... sinceramente? Ainda não sei.
Já são 15h30 e nada… É, já deu… acho que hoje alguém não quis me conhecer, mas amanhã tem outro café, outra janela, outra pessoa... outro eu...
O celular vibra no bolso, tiro e observo a tela com a mensagem:
"Desculpa, atrasei aqui... mas em 5 min tô chegando, você me espera?"
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o café tá na mesa, o que falta agora? | foto: oticacotidiana |
O café está tão quente que lança uma fumaça de vapor no ar. A xícara parece meio rachada, colada recentemente... Essas cafeterias vintage são um barato, né? Me espreguiço na cadeira e observo a vida cotidiana pela janela da cafeteria, há um casal de idosos atravessando e eles parecem próximos. É provável que tenham vivido uma vida juntos, entre reclamações de toalha molhada e esquecimento de aniversários. No entanto, estão ali, juntos, sentindo o tempo passar com toda sua indiferença ao nosso corpo perecível. Olho para a xícara novamente, o relógio no celular, a fumaça dançando no ar, agora me pergunto: por que é tão difícil conhecer alguém?
Conhecer: palavra comum, corriqueira, mas se você parar para pensar… há algo mais complexo nisso. Vivemos tempos em que tudo está ao alcance de um toque: a nova música do momento, aquele filme dos anos 1980 remasterizado, o perfil de alguém que você nunca viu, mas já sabe o nome do doguinho. Acessar virou rotina. Mas conhecer… ah, conhecer é outra história.
São 14h35. Será que vai demorar? Ainda quero terminar de ler um livro quando chegar em casa… espero que esse encontro não seja ruim.
“Pedido pronto pra... Sah..mir? É Samara? Samanta? Que droga essa genz com a mania de colocar apelidos inúteis nos pedidos, deve ser uma anta..." – resmunga baixinho o garçom de longe.
Voltando ao ponto: conhecer exige tempo. Presença. Vontade. E isso é raro. Não por maldade, mas por desuso. A gente se acostumou com o raso, com o imediato. Dois corações num story e pronto: tem conversa, tem rolê, tem expectativa, tem até encontro e contato sexual. Uma conexão que dura 24h. Até eu mesmo já julguei alguém que demorou em responder a minha mensagem, desmarquei encontros depois que a conversa saiu do app e foi para o WhatsApp. É... conhecer de verdade, do tipo atravessar o outro, entender suas entrelinhas, suas pausas… quase ninguém topa.
E o mais curioso é que todo mundo diz querer isso. "Quero alguém que me conheça de verdade", leio por aí pelo menos umas dez vezes ao dia. Mas será que querem mesmo? Porque conhecer exige abrir mão do controle. Significa não colocar etiqueta antes da hora. É só conhecer. Sem pressa para definir se é amizade, amor ou nada disso.
O problema é que, nesse processo, pisamos em terrenos instáveis, tanto nossos quanto os do outro. Ser gentil já vira suspeita. Ser disponível já aciona o alarme: “opa, quer compromisso, esse é emocionado”. Como se a atenção fosse moeda rara demais para ser oferecida de graça. E veja bem, ninguém nem entrou no modo apaixonado ainda.
Estamos tão desconectados que um gesto simples se torna história. O outro começa a imaginar, idealizar, montar um roteiro que talvez você nem tenha lido, mas já tem que atuar conforme o esperado. E aí mora o risco. Porque quando alguém cria um enredo inteiro a partir de meia dúzia de falas, a chance de frustração é grande. Alguém vai sair machucado. Alguém sempre sai.
Voltando ao ponto: conhecer exige tempo. Presença. Vontade. E isso é raro. Não por maldade, mas por desuso. A gente se acostumou com o raso, com o imediato. Dois corações num story e pronto: tem conversa, tem rolê, tem expectativa, tem até encontro e contato sexual. Uma conexão que dura 24h. Até eu mesmo já julguei alguém que demorou em responder a minha mensagem, desmarquei encontros depois que a conversa saiu do app e foi para o WhatsApp. É... conhecer de verdade, do tipo atravessar o outro, entender suas entrelinhas, suas pausas… quase ninguém topa.
E o mais curioso é que todo mundo diz querer isso. "Quero alguém que me conheça de verdade", leio por aí pelo menos umas dez vezes ao dia. Mas será que querem mesmo? Porque conhecer exige abrir mão do controle. Significa não colocar etiqueta antes da hora. É só conhecer. Sem pressa para definir se é amizade, amor ou nada disso.
O problema é que, nesse processo, pisamos em terrenos instáveis, tanto nossos quanto os do outro. Ser gentil já vira suspeita. Ser disponível já aciona o alarme: “opa, quer compromisso, esse é emocionado”. Como se a atenção fosse moeda rara demais para ser oferecida de graça. E veja bem, ninguém nem entrou no modo apaixonado ainda.
Estamos tão desconectados que um gesto simples se torna história. O outro começa a imaginar, idealizar, montar um roteiro que talvez você nem tenha lido, mas já tem que atuar conforme o esperado. E aí mora o risco. Porque quando alguém cria um enredo inteiro a partir de meia dúzia de falas, a chance de frustração é grande. Alguém vai sair machucado. Alguém sempre sai.
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no intervalo entre a praticidade dos encontros que começam pelo celular, o que sobra? | foto: oticacotidiana |
Se a gente conseguisse, nem que fosse por um instante, olhar tudo pela lente do conhecer, talvez fosse mais leve. Um “ei, estou aqui para te conhecer com toda minha vulnerabilidade e verdade” já bastaria. Isso que você está entendendo como "arriscar perder tempo", é isso mesmo. Sem prometer amor, sem prever futuros. Só a curiosidade genuína de saber quem é o outro. Conversar. Observar. E, se fizer sentido, deixar claro o que se quer, mas só depois de atravessar a primeira camada.
Vou pedir uma torta red velvet… melhor não, o último encontro em que comi isso não me fez muito bem. Quem se atrasa no primeiro encontro, gente? Pelamor!
O problema é que hoje tudo está pronto, nos acostumamos com a ideia de esforço mínimo. Tem app para tudo. Três toques e você já está com alguém. Mas estar com alguém, nesse sentido profundo da coisa, ainda é uma jornada. Conhecer alguém ainda é atravessar território desconhecido. É descobrir onde a alma respira, onde o riso nasce, onde a dor mora. Só aí talvez surja algo que valha a pena desenvolver.
Não precisa saber o que quer logo de cara. Nem dá. A gente que inventou isso para otimizar as relações – ou o que sobrou delas. Como exigir algo de quem você mal conhece? Seria mais sábio trocar a ansiedade por curiosidade, não? Só conhece. Com o tempo, a clareza aparece: “com você eu quero uma amizade”, ou “com você eu quero algo mais”. E aí sim, você decide se vale investir, marcar outro encontro e se abrir um pouco mais. Um ponto importante também: não é porque não deu certo o primeiro encontro ou o suposto timing para o início de uma relação passou, que não tem mais volta, que loucura termos naturalizado essa dinâmica. Desvendar e construir uma relação, spoiler: leva tempo. E a pergunta que brota é: quem tem tempo para isso hoje?
15h já… Estava pensando… por que precisamos ser tão apressados? Talvez seja porque na bio do aplicativo colocamos ‘relacionamento sério’. Isso já cria um peso, como se o encontro tivesse que ser o início de um namoro ou terminar em uma relação sexual. Será que eu vou sair daqui namorando alguém que vi apenas seis fotos no app, migrei a conversa para o Instagram, e isso foi o suficiente para sair de casa hoje?
Vivemos de encontros rápidos, sem destino certo. Tudo é casual, mas o desejo de conexão corrói por dentro. Tem muita gente sonhando em se apaixonar, encantada com a ideia do amor, mas travada no processo. Porque amar é demorado. E o agora não espera.
“Pra quê que eu tô falando com essa pessoa?”, alguém se pergunta. “O que ela vai me oferecer em troca?”. Talvez nada. Porque você ainda nem sabe quem ela é. Como pode querer algo de alguém que você nem conhece?
O caminho para conexões reais passa por esse mergulho no outro. Não é sobre acessar facilmente, é sobre presença. E quando você consegue estar com o outro, de verdade, aí sim existe a chance de criar algo: um laço, um elo, uma história que não precisa ser grandiosa, só precisa ser sincera.
Mas a pergunta continua no ar: em meio a tantos vídeos no TikTok, tantos conselhos que mandam “jogar fora se não servir”, quem ainda está disposto a conhecer alguém de verdade? Essa resposta... sinceramente? Ainda não sei.
Já são 15h30 e nada… É, já deu… acho que hoje alguém não quis me conhecer, mas amanhã tem outro café, outra janela, outra pessoa... outro eu...
O celular vibra no bolso, tiro e observo a tela com a mensagem:
"Desculpa, atrasei aqui... mas em 5 min tô chegando, você me espera?"
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