Sintonia dos dessintonizados

| foto: oticacotidiana - feito com IA


E se pudéssemos ser um pouco mais cuidadosos com os encontros que a vida orquestra para nós? Se pudéssemos ser um pouco mais atentos, generosos, menos resistentes e mais gratos ao esforço que está por trás de cada encontro?

E se deixássemos de preencher – e tentar ler – os encontros, sobretudo quando se desdobram em algo que não desejamos ou conhecemos, com nossos medos, traumas e inseguranças? E se fôssemos capazes de apreciar plenamente a beleza de encontrar alguém que, embora tão diferente de nós, é também perfeitamente compatível com o que necessitamos e buscamos?

Você já tentou marcar um encontro com um amigo de longa data? As agendas frequentemente não se alinham, os horários se esgotam e, muitas vezes, vocês se encontram distantes em diversos aspectos da vida, a ponto de não haver um interesse genuíno que priorize o encontro. Quando finalmente vocês se reúnem, não se percebe, com clareza, a quantidade de tentativas e o esforço empenhado para fazer tudo acontecer, transformando o momento em algo banal perante os demais.

Da mesma forma, tendemos a agir inconscientemente com os encontros que a vida nos proporciona. Não temos noção da quantidade de peças e alinhamentos necessários para que dois estranhos se encontrem aparentemente por acaso. E, assim como no reencontro com um velho amigo, muitas vezes não cuidamos e não apreciamos com a devida atenção essa benesse.

Encontramos alguém que nos faz rir, nos faz sentir especiais e acolhidos, trocamos carinhos e promessas, mas, muitas vezes, não somos capazes de agradecer ou enxergar a beleza disso. Pelo contrário, no momento em que tudo parece se encaminhar para um segundo encontro ou para a profundidade necessária à construção de algo – cuja realização depende inteiramente de nós – acabamos por inundar essa experiência com nossos medos, inseguranças, ego, traumas passados e uma racionalidade excessiva. Aos poucos, permitimos que tudo esfrie, até que, um dia, não reste mais a possibilidade de se reconectar com aquela pessoa. Todo o esforço de um trabalho invisível se torna desperdiçado, sobretudo se não extraímos nenhum aprendizado desse encontro.

A beleza de encontrar alguém, seja para o que for, é algo que devemos apreciar com mais energia e gratidão. Menos julgamentos sobre o que se passa na mente do outro, menos projeções das nossas próprias inseguranças. É preciso aproveitar plenamente o momento. Eu sei, é difícil deixar o ego de lado, abandonar o medo e as incertezas de se relacionar, mas tudo isso é fundamental se desejamos nos envolver com alguém com toda a potencialidade e autenticidade que a vida pode oferecer.

Em vez de simplesmente observar a vida passar, tentando adivinhar o que ocorreu ou o que poderia ocorrer, poderíamos nos permitir viver, nos mobilizar para transformar os encontros em algo grandioso, cultivando mais cuidado e apreciação por sua beleza natural. Nada é mais cruel do que assistir à vida passar, envelhecer e, somente então, perceber que, por descuido, insegurança ou pela força do ego, perdemos uma oportunidade que poderia transformar nossa existência para melhor. Quantas vezes você já não se pegou pensando "quanto tempo eu perdi?".

Nunca sabemos o que esperar de um encontro, mas podemos deixar de supor que ele nos ferirá e, assim, vivenciá-lo com o melhor que temos a oferecer. "Ah, mas o outro não merece", você pode até pensar. Contudo, não cabe a você ponderar sobre isso, nem é seu dever mensurar quem merece o quê.

Se você está disposto a compartilhar o que tem de sobra e o outro não consegue apreciar, isso não é sobre você. Na verdade, nunca foi. Trata-se de como o outro lida com a própria verdade que se impõe. A vida nos oferece encontros, mas somos nós que decidimos se faremos deles apenas uma lembrança ou uma história que vale a pena ser construída.



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