Improviso

| foto: oticacotidiana - feito com IA

Me encaro no espelho e sinto alívio
Sinto que algo… passou
A ferida agora não traz dor
É apenas um traço discreto, quase imperceptível,
lembrança de algo que existiu.
Aquilo que antes arrancava lágrimas e ansiedade antes de dormir não afeta mais
Passou, simplesmente, passou.

Quem é você, querido?
Eu sempre quis saber
Você se lembra quando te disse que queria saber mais de você?
Mas você se esquivou,
como quem evita o próprio reflexo,
aquele que encontrou nos meus olhos quando esteve comigo
Quem era você, afinal?

Queria ter conhecido você
Me pouparia de imaginar partes suas que nunca foram reais,
partes tão centrais e estruturantes
que preenchi com suposições, sem nenhuma verdade,
e que me mantiveram preso à ilusão
de você ser alguém digno de viver um amor.

Quando a pessoa não se mostra para gente, a gente improvisa
Criamos uma versão para chamar de nossa,
sustentada pelo silêncio e pelo que gostaríamos de encontrar no outro.
Essa versão, quando confrontada com a verdade, nos apavora.
Não apenas por não ser real,
mas por revelar algo íntimo,
o que escondemos de nós mesmos,
ou o vazio que tentamos negar.

Quem é você?
Queria ter te conhecido
Me pouparia de criar um mundo,
me pouparia de moldar meu mundo,
me moldar
para caber no espaço restrito que você deixou
na brecha, no intervalo entre semanas,
esperando você me retornar.

Quem seria você se nós tivéssemos construído algo?
Quem seria você, se as mensagens fossem respondidas,
se o interesse fosse real?

Agora, pouco importa
Tudo passa. Tudo passou
A ausência e o incômodo de não saber quem é você não me afetam mais
A ausência não pesa
Você voltou a ser o que era antes:
um rosto vago antes do nosso único encontro,
uma promessa de algo que nunca será verdade
O incômodo de ter criado uma versão ilusória sua já não me afeta.

Tudo passa.
Tudo passou.
Você agora é a lembrança de alguém
que nunca chegou a ser.
Um nome sem história.
Que nunca conseguiu existir de verdade.

Você é o improviso que meu coração carente me fez criar
Você é o rascunho de um sonho de um amor real
Você é o nome apagado que deixou marcas definitivas no papel
mas que não impediu que eu reescrevesse,
em outra caligrafia,
um novo nome.
Um nome, uma versão, alguém inteiro.

Alguém capaz de ser tudo que você teve medo de ser.

 

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