Presente no sofrimento, ausentes na felicidade: amigos?

| foto: oticacotidiana/criado com IA


Eles surgem como um cometa que rasga o céu e hipnotiza não só pela presença, mas também pelas palavras que compartilham, assegurando e confortando em meio a um dia ruim. Eles são mestres em aparecer quando tudo parece desmoronar, quando as mazelas pesam mais e deixam um gosto amargo na boca. Assim como o cometa, ou como um sábio atemporal, eles chegam e dizem o que ajuda a reerguer e reequilibrar diante das dores. Eles são sempre os heróis dos momentos ruins: amigos?

Contudo, você começa a se reerguer. As nuvens se dissipam, as lágrimas secam, e as coisas boas começam a acontecer: você ganha uma promoção, conhece alguém novo que te inspira a cantarolar errado no chuveiro ou simplesmente aceita que certas coisas não valem mais o sofrimento – afinal, tudo passa. Esse equilíbrio, inclusive, se fortalece a ponto de alimentar a ilusão de que você tem muito mais do que realmente tem e, por isso, não sente necessidade de dividir tanto.

Nesses momentos em que você é como o próprio sol, irradiando luz por simplesmente existir, esses amigos desaparecem. É sempre curioso observar como o silêncio tem o poder de ser mais impactante do que qualquer palavra dita com clareza e emoção. Você desbloqueia a tela do celular, na expectativa de receber um ‘parabéns’, um ‘que notícia maravilhosa, amigo(a)!’, ‘eu sei o quanto você lutou por isso e estou feliz como se fosse algo meu’. Alguma empolgação, uma faísca, ou até mesmo um simples sorriso sincero e afetuoso. Mas nada chega. Seu estado provocou uma espécie de insolação emocional, que abriu um terreno arenoso, difícil de atravessar, e eles parecem incapazes – ou talvez se recusem – a enfrentá-lo.

Otimista, ou quem sabe apenas ingênuo, você pensa: ‘Ah, só pode ser por conta das ocupações do dia a dia; todo mundo anda tão ocupado, né?’ Ou: ‘Talvez eles não gostem tanto de celebrações, de entrar nos detalhes de uma notícia boa’ – embora sejam amigos. E então, algo dentro de você diminui, quase encolhe, para caber no silêncio do outro. ‘Ah, grande coisa o que eu conquistei ou vivi, todo mundo vive isso, né? Quem se importa?’ No entanto, as coincidências vão se acumulando, como um cesto de roupa suja que nunca será lavado, porque essa discussão, você percebe, nunca valerá a pena.

No auge do seu equilíbrio, ainda que com recaídas, porque a vida sempre oscila, você percebe que algumas pessoas que acreditava serem seus amigos, seus confidentes, parceiros de jornada, só se sentem confortáveis no papel de salvador: o papel de te manter no lugar da vulnerabilidade, de te lembrar de um estado constante de necessidade, de baixa autoestima e autosabotagem. Quando você não precisa mais desse resgate, dessas palavras para acalmar a ansiedade gerada pela infelicidade, essas pessoas simplesmente desaparecem. E o mais curioso? Elas continuam observando tudo que você faz online.

Às vezes, quem se afasta não sabe lidar com a própria dor e vê na sua felicidade – ou no que imaginam ser sua felicidade – um espelho do que gostariam de ter. E sim, eu entendo as nuances de cada um. Todos nós temos nossas dores e pontos de vulnerabilidade. Contudo, não podemos carregar os pesos emocionais dos outros ao ponto de nos contermos, nos sentirmos culpados por estarmos bem. Isso não significa que devemos abandonar a empatia, longe disso, mas surge, quando se alcança a paz, uma necessidade inegociável de seguir em frente, de preservar o equilíbrio na própria vida.

Sei que essas conclusões não são confortáveis. Não por essas pessoas não conseguirem compartilhar da sua alegria, mas porque isso expõe algo que diz mais sobre elas e sobre a natureza de muitas relações que aparentam ser frutíferas, mas são, na verdade, frágeis e incompatíveis. Repito: mesmo que você não tenha algo novo de fato, só o parecer já basta. É doloroso perceber que há amizades que se alimentam da sua vulnerabilidade e não da sua felicidade, do seu equilíbrio, do seu reencontro com a autoestima. É um tipo de relação que, disfarçada de generosidade, carrega uma sombra cruel de egoísmo.

Quantas vezes, no seu Instagram, você recebe comentários de ‘amigos’ censurando ou debochando de uma foto em que você se sentia bem consigo mesmo? Quantas vezes você compartilha um momento feliz e isso é ignorado, como se sua alegria – por mais singela que fosse – fosse uma ameaça ao sorriso do outro? É intrigante e cruel ao mesmo tempo perceber que sua felicidade pode ser um espelho para o que o outro teme encarar ou ousar viver.

A realidade é que relações verdadeiras – sejam de amizade ou não – se provam apenas quando são capazes de brilhar junto com você. Amigos de verdade celebram suas vitórias, seguram sua mão nos momentos difíceis e compartilham com sinceridade tanto as lágrimas quanto os brindes. Um amigo que só aparece para enxugar suas lágrimas, mas se ausenta de suas celebrações, talvez nunca tenha sido amigo. Ele é alguém que precisa do papel de salvador para se sentir relevante, alguém que só se sente bem ao olhar para você de um pedestal. Às vezes, seu brilho ilumina cantos escuros no outro que eles não estão prontos para encarar, e isso é assustador. Não é sobre você, mas sobre a batalha interna que eles enfrentam.

Eu sei, é doloroso. É uma verdade crua e muito difícil de assimilar. Mas, se você já viveu relações – sejam elas de amizade, namoro ou familiares – que não conseguem te abraçar na felicidade, talvez seja a hora de deixá-las ir. Permita que o universo cumpra seu papel: afastar quem não é capaz de partilhar do seu afeto, do seu amor, da sua luz.

Sim, atravessar tempestades parece mais fácil com alguém ao seu lado. Mas, se, ao surgirem os primeiros sinais do arco-íris, essa pessoa se afasta, talvez seja melhor seguir o caminho sozinho, com a esperança de encontrar quem será capaz de estar com você em ambos os lados dessa estrada que é a vida.

E, talvez, ao caminhar sozinho por um tempo, você perceba que não precisa de salvadores. Você abandona de vez esse papel, sentindo dentro de si a força, a beleza de atravessar as tempestades e o brilho necessário para iluminar suas estradas. Isso não significa que estará só para sempre, mas que estará pronto para dividir sua alegria e seu amor com quem verdadeiramente consiga apreciá-los.




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