Quando os tolos dizem adeus

foto: pixabay

Eu sabia que no começo iria doer muito, mas seria uma dor necessária para seguir em frente. Sabia que se continuasse como estava, a dor se tornaria crônica e dificilmente me traria a paz necessária para continuar a caminhar. Sabia que a ferida estava recente, mas que precisaria deixar o tempo sedimentar-se em meu corpo e alma, para enfim deixar que essas feridas se curassem.

Decidi te deixar ir de uma vez por todas. Sei que já havia prometido e definido isso antes, mas agora tenho certeza de que não tenho mais como cair em armadilhas. As suas idas e vindas, aparecimentos e sumiços são tóxicos ao meu coração. Não posso esperar o seu próprio tempo, não posso esperar que se decida e me inclua. Você sequer consegue se enxergar ao meu lado. Faz sentido então que eu esteja aqui de braços abertos esperando você aparecer e desaparecer quando bem entende?

Não há como ter proximidade com quem não quer ela. Cabe a nós respeitar os espaços e deixar livre o caminho ou consequência que se desdobra a partir da decisão do outro. Leva tempo para aceitar que o quase beijo, o quase afeto e o quase relacionamento não vão se tornar algo real. A nossa imaginação e sentimentos nos pegam peças perigosas, capazes de nos colocar em lugares em que tudo que a gente consegue sentir é a frustração pelo que não viveu.

E se eu tivesse insistido mais? Cedido às suas regras (que ainda hoje não as entendo) e limites? No fim, acho que a ferida seria maior, porque quando a gente se relaciona com quem tem medo de se envolver e deixar acontecer, não tem como ser saudável. Você fez suas escolhas, agora eu fiz a minha. Talvez o que você esteja vivendo é mais uma fuga dos próprios sentimentos, da própria vida que nega, por temer ser quem é. Ou talvez não. Talvez tudo isso que vive é você em sua totalidade e o que não vivemos era só mais uma fantasia de alguém com o coração iludido, agora partido.

Não há como saber o dia de amanhã. Não há como esperar pelo dia de amanhã parado, esperando que perceba o que se passa no meu coração. Deixo ir de uma vez por todas esse sentimento que me aprisionou por tanto tempo, que me fez ter esperança e crença de que mesmo as diferenças são capazes de se unirem em prol de um sentimento único.

Um engano, mais um. Mais um golpe que a gente toma quando se entrega e acredita na possibilidade de ser correspondido por alguém. Algo entre nós é uma mentira: ou o que escolheu viver ou a pessoa e sentimentos que nutri por você. E se o que nos unia for justamente o sentimento bom que tinha por você? Quando ele se for não restará nada? O vínculo se cessará?

Um de nós está enganado, talvez seja eu, por acreditar em amor. Talvez seja você, por temer viver o amor. Somos tolos, não sabemos o que fazer com essa interseção em que nos cruzamos. Em algum lugar desse vasto cosmo nos encontramos. Em algum lugar estamos vivendo o sentimento em sua completude. Estamos felizes em algum fragmento e dimensão do tempo. Neste, em que estamos e escolhemos nos envolver, somos apenas tolos. Mentirosos e desencorajados a construir. Minto escondendo meus sentimentos, e você mente escolhendo uma outra vida. Nos desencorajamos porque sabemos que o elo que nos une é real, mas que talvez, nessa outra dimensão de tempo e espaço, nós sejamos tão egoístas que não deixamos sequer um filete de experiência e sensação para experimentarmos aqui, agora, nesse tempo e espaço.

Sem nunca ter te beijado, tendo encarado seus olhos e te abraçado algumas poucas vezes com intensidade, nós nos despedimos. Cientes de que alguma coisa não aconteceu e aconteceu. É parte dessa coisa de ser tolo ficar com isso na cabeça. A partir de agora entramos na galeria dos amores não vividos, dos beijos não dados, da relação imaginária.

Um adeus se fez necessário para que as feridas pudessem se curar. Um adeus silencioso se fez necessário porque não existe possibilidade de a dor do não vivido continuar a ser alimentada pelo ‘se’. De ‘se’ em ‘se’ construí histórias que jamais poderão ser vividas, construí sentimentos que agora sou obrigado a desfazer por saber que não poderei vivê-los. Coisa de gente tola que se deixa levar pelo amor.

Somos tolos, abobalhados e nunca iremos nos esquecer, mas vamos fazer de conta que sim e que nada nunca existiu. Será melhor para os nossos disfarces. Vá em frente, comece uma nova vida, porque é isso que precisaremos para seguir em frente, meu amor. Do meu lado, farei o mesmo. Como bons mentirosos, continuaremos a nos esconder, enquanto nossas melhores versões em outras dimensões experimentam toda a beleza do amor entre dois. Este, que aqui não fomos capazes de viver até então.

É uma escolha, escolhemos ser tolos.

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