Nem gregos, nem troianos

Por que temos tanto medo de sermos rejeitados?

Bruno Bispo*
redacao@oticacotidiana.com


O poeta grego Homero (séc. I a.C.) descreve, em suas obras ‘Ilíada’ e ‘Odisseia’, uma batalha conhecida como Guerra de Troia. Segundo a mitologia grega, o príncipe Páris (ou Alexandre) de Troia, apaixonado, teria sequestrado a rainha Helena, esposa do respeitado rei Menelau, da cidade grega de Esparta. Assim, teria se dado início a um conflito que duraria cerca de 10 anos, e a que se refere a conhecida expressão “é impossível agradar gregos e troianos”. 

Príncipe Páris leva Helena em “Troia: A Queda de uma Cidade” | foto: BBC / Netflix/ reprodução

Existem pessoas que, em diversas situações, vivem numa verdadeira corda-bamba, num esforço paulatino de agradar a todos no ambiente ao seu redor, colocando-se como adjuvante da sua própria história e não como sujeito de suas ações. Essa necessidade surge, sob certo ponto, de uma preocupação excessiva no que o outro pensa ou espera de você, do medo de decepcionar as expectativas de alguém ou do alto grau de autocobrança.

É esperado que nós, seres sociais, desejemos nos sentir parte (de um grupo ou do mundo) e se fazer importante para algo específico. Não gostamos de ser ignorados, rejeitados ou inertes. Na verdade, temos pavor à rejeição! Cada um do seu jeito, ficamos confortáveis quando nos sentimos acolhidos e amados.

A“Cada um do seu jeito, ficamos confortáveis quando nos sentimos acolhidos e amados". | foto: pixabay

Como nem tudo na vida são flores, não somos acolhidos e amados a todo tempo. E não deveria estar tudo bem? Se estamos certos de que os valores e virtudes que defendemos são coerentes com as nossas atitudes, devemos levar em consideração toda recusa ou hesitação do outro frente a nós? É natural termos medo de errar, desapontar alguém ou sofrer da frustração de quando algo não nos dá o resultado esperado. Mas, se errarmos – ou melhor, quando errarmos – que seja por nossas próprias convicções, e não por seguirmos o caminho que nos dizem ser o correto.


Se estamos certos de que os valores e virtudes que defendemos são coerentes 
e com as nossas atitudes, devemos levar em consideração
toda recusa ou hesitação do outro frente a nós? 
Bruno Bispo

Existem dois pontos a serem levados em consideração: o primeiro é justamente a preocupação (pré-ocupação) excessiva em “o que os outros vão pensar de mim?” como fator limitante da liberdade e da identidade pessoal, e como contribuinte importante de sofrimento psíquico. Em outras palavras, quando voltamos nossa atenção para o julgamento das pessoas acerca de nós mesmos, deixamos de ter acesso a quem somos, e nos ferimos na tentativa de nos moldar ao que esperam de nós.

Somos donos da própria história ou apenas andamos na corda-bamba da vida? | foto: pixabay

Outro ponto que vale também salientar é que a expectativa do outro é algo externo a nós e, portanto, impassível de controle. Ou seja, vivemos tentando atingir demandas que nem sequer conhecemos profundamente e não podemos caminhar certos de que estamos “cumprindo o script”, porque tem outra pessoa escrevendo. De qualquer modo, ainda que, diante de um malabarismo demasiado habilidoso, consigamos agradar o(s) outro(s), é bem possível que contrariemos nossos próprios desejos.

Não é nada fácil simplesmente tapar os ouvidos para tudo que vem de fora e ser completamente autônomo(a) em todos os seus atos. Como afirmou John Locke, “nenhum homem é uma ilha”. No entanto, é um exercício necessário de autoconhecimento ouvir o que diz seu coração e se colocar como protagonista da sua história. Afinal, quem mais pode estar em íntima conexão com nossos sentimentos mais profundos, senão nós mesmos?

*Bruno escreve quinzenalmente nas terças-feiras.


Bruno Bispo
Preto, baiano, filho de classe trabalhadora. Amante de livros, cerveja e sorrisos.
Estudante de medicina, professor, 'escrevedor', pagodeiro e tantos outros.

 

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