Partes?
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Queria entender a diferença entre eu e eu, porque às vezes me pego pensando onde está uma parte de mim que a outra faz de tudo para manter em silêncio. Olha... para falar a verdade, esse esforço é tão inútil. As partes quase sempre se machucam tentando sobreviver e, como consequência, sinto o conflito por tentar existir. Contudo, uma das partes é forte o bastante para dizer que o caminho seguido até então está errado e é hora de reverter.
É a tal felicidade... sabe? O que me diz sobre a felicidade hoje? O que me diz sobre suas escolhas? De certa forma, a parte quer ser ouvida porque cansou de todos dizerem o que é bom para ela, e ela não viver esse bom com felicidade. A parte permanece afastada de onde queria estar. Ela segue cansada de ter que explicar os incômodos e de ter que justificar a própria intensidade da dor por não poder existir em completude.
Por que tiram o direito dela de sentir? Por que tiram dela o direito de existir? Essa parte quer existir e está cansada de implosões para reconstruções, porque o que se ergue não é tão sólido e cada vez mais enterra o que há de natural. Essa parte está sendo soterrada constantemente, mas até quando estará viva pedindo socorro como agora?
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Para a parte enterrada viva, ainda há esperanças? Ela só está cansada de lhe dizerem como se sentir. Só está cansada de ter que justificar a própria existência. Só está cansada de sofrer pela solidão. Ei, escute. Existe alguém aqui que quer existir. Mas até quando pedirá socorro? Até quando conseguirá dar som a própria voz e contornar a mudez imposta pela outra parte?
E ela permanece ali, sendo implodida todos os dias com projetos e ideais que não lhe fazem feliz. Ei, por que mantém tudo isso? Talvez porque agora há um prédio em cima de mim e não consigo sair tão fácil. Sinto que não consigo escapar. Não estou no topo desse prédio, mas acreditam que estou. Uma parte gostaria que estivesse, seria tudo mais fácil. Tudo que desejava é que pudesse seguir o que acredito ser eu, de construir o meu próprio eu, o meu edifício, sem me sentir culpado por isso. Sem ser furtado do próprio direito de existir. Você já se sentiu furtado do direito de existir?
O desejo é o de poder olhar nos olhos de todos os visitantes do meu próprio edifício, sem ter que justificar o que sou. Sem ter que esconder as partes de mim que consideram imperfeição. E olhar nos olhos de todos os visitantes e compartilhar amor sem armaduras. Por que é preciso justificar? Por que é preciso correr atrás das coisas e pessoas erradas por somente elas terem aparecido? Como pode haver futuro se as escolhas não são plurais?
Não. Nem sempre é fácil seguir em frente sentindo que escolheu algo que não veio do próprio coração. E quantas vezes mais me negarão existir? E quantas vezes mais fingirei existir? Com o peso e a culpa de uma parte que está ceifada, não é fácil seguir em frente. Por que tantas vezes preciso seguir em frente?
A tal felicidade grita em meus ouvidos, cada vez mais, na esperança de que o caminho certo até ela se desenhe e se firme. Quando foi que perdi a capacidade de enxergar? Quando foi que perdi a capacidade de me ouvir, me amar? Eu tenho um segredo: há um lado meu morrendo e não sei bem como fazer. Ele está indo e me apego tanto a força de sua esperança e instinto de sobrevivência para que viva, resista. Me chacoalhe e me faça encontrar o caminho da felicidade. Porque o topo é mera ilusão, esse prédio não é meu e acho que nunca será.
Esse prédio não pode se manter com implosões constantes na estrutura. Ei, felicidade, não escape de mim outra vez! Juro que preciso de ti, juro que acredito em ti. Queria entender a diferença entre eu e eu. Queria saber quando meu eu me salvará de um outro eu. O tempo está correndo, talvez acabando. A estrutura do que me tornei está se rompendo. Queria entender e queria saber se falta muito tempo para meu eu salvar o Eu. Porque no fim das contas é isso que importa.
Parte de mim quer ser salva e a outra, morta.
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