Armadilhas do tempo
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Ele sentou-se na cama e avistou uma sombra na outra ponta do quarto. Ele se sentia diferente, com algo dentro de si que não lhe pertencia ou fora posto no seu interior de forma bruta, sem anestesia necessária para que o corpo pudesse aos poucos se acostumar com a parte estranha.
Havia pânico, mas a origem desse sentimento era desconhecida. Por fim ele temia o tempo, e como doía sentir os efeitos dele. Havia o temor porque ele sabia que a cada movimento do tempo, havia inevitavelmente uma aproximação com a morte, com o fim de mais um ciclo de vida.
Do avançar do tempo ele temia a solidão, porque conviver com ela já era uma espécie de morte prematura no estilo purgatório. Temores, estranheza. Ele não sabia o que sentia e nem o que mais lhe provocava dor.
Ele se olha, se encara, se toca e tenta a cada movimento encontrar uma face capaz de libertar o que lhe oprime. A verdade é que ele queria achar uma fórmula para se libertar de tudo isso que lhe é estranho em seu corpo, da soma das consequências do tempo e solidão, da ameaça de morte que emana paulatinamente.
Era um esforço inútil. O tempo e a solidão estão além de qualquer ser humano e no fundo ele sabia disso. Aos poucos foi se conformando que uma das armadilhas do tempo e das experiências passadas é justamente o desejo de tentar voltar a determinados pontos e lembranças das quais ainda se tem acesso, que não se perderam diante do que ocorre no presente, e entender o que se passou ou se passa. Em outras palavras, se busca encontrar e arrancar de si a estranheza de ser quem é da raiz.
O tempo só lhe é incômodo porque à medida que avança, sem atrasos, delongas e com força, o corpo começa a falhar. A vitalidade aos poucos é ceifada até a mais completa falência.
A solidão lhe é incômoda justamente porque ela representa a falência. A falência das relações humanas que se tentou construir em qualquer fatia de tempo.
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