Mar negro - Parte III
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Parte II
Tudo é escuro a ponto de não existir diferença entre estar de olhos fechados ou abertos. Não vejo o meu corpo. Permaneço imerso na escuridão por um tempo indefinido. Horas, dias. Anos? No silêncio absoluto, uma hora se parece como um dia, e um dia como uma década. Se adormeço durante minha estadia, não sonho. Toda a minha companhia é a escuridão, e não há como se acostumar ao silêncio e a ela. Me incomoda, quero ver vida outra vez.
Viajo pela luz e pelo líquido espesso e escuro, que não gruda. Teria caído no mar negro sem me dar conta? Não respiro, não sei se nado, se estou voando ou flutuando por tudo. Em meio a escuridão, não faz diferença alguma o lugar que estou. Avisto algo semelhante a um berçário marinho. O mar negro é profundo e estranho a tudo que me é conhecido. Há beleza no que temo, por isso facilmente me entrego.
Poeira e gosma se fundem e se movimentam em torno de mim. Olho para baixo e não consigo ver o fim, nem um caminho para seguir. Estou paralisado, hipnotizado pelas sensações estranhas e pela beleza do desconhecido. Em um dado momento, percebi que não conseguia pisar em nada sólido. Permanecia em movimento, sem saber ao certo como me movia. Começo a suspeitar de que estou em órbita de alguma coisa.
Me sinto impotente, sem controle do que vem a seguir. O que
posso fazer diante de tudo? Brigar, questionar? Mas com quem? Contra quem?
Poderia pensar em escapar, mas como posso traçar planos de fuga para algo que
não sei o que é? Não há o que fazer a não ser me entregar ao que quer que seja
àquilo. O assustador é que tudo era relaxante e pedia passividade. Desliguei-me
de mim e naveguei por aquele universo.
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Conforta a concepção humana de tudo que tem uma causa
provoca algum efeito. Eu esperava entender o propósito em ter mergulhado nesse
mar. Para cima, para baixo, desacelero. Tudo agora segue um ritmo mais lento e
ameno. Tão mais calmo que noto o escuro ser preenchido por inúmeros pontos
brancos brilhantes; entre eles, avisto uma bola azul gigante. Depois de tanto
tempo no escuro, reconhecer outras cores me traz de volta à vida. Sou atraído
por ela e acelero em rota de colisão. Sou um asteroide pronto para me chocar na
esfera azul.
Um planeta? Que forma de vida incorporarei? Estaria pronto
para encontrar aquele lugar outra vez? A possibilidade me anima. Caio em queda
livre, mas sem dor. Sou um cometa viajante que percorreu anos-luz pelo cosmos e
agora é engolido pelo azul de um planeta até chegar ao solo. Encontro com um eu
novamente, mas desta vez este corpo não é o que conheço. Sou outra pessoa, mas
me reconheço tal qual o ser terrestre que sou. Meus olhos escaneiam e tentam
decifrar o que há de diferente ao meu redor. Avisto também algumas construções
naturais, algo como colinas de areias e rochas alaranjadas. Em que parte do
universo estou?