Consumidores de afeto: 'se vou enjoar, para quê conhecer?'
Dias desses tive a infelicidade de me deparar com o seguinte texto de ‘desabafo’ em uma rede social: “Provavelmente vou enjoar em um mês, mas vamos lá”. Além do desconforto por tamanha posição cômoda e de mimo, pensei ingenuamente: ‘ah, deve ser sobre um produto qualquer. Que perda de tempo...’, no entanto, ao ler os comentários, ficou claro que não. Ele estava falando de pessoas e o mais espantoso foi notar que mais de 20 mil pessoas já tinham curtido por se identificarem com a mensagem em poucos minutos.
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Ninguém obtém nada que não acredita. Crença e descrença não podem coexistir. Mesmo que estejamos falando de adultos se relacionando entre si, como podemos ignorar as consequências de tais interações?
Ainda sem perder de vista os demais comportamentos atuais, há o de posse que praticamente classifica o outro como produto. Ele é meu namorado, ela é minha namorada. Devemos agora esquecer as nossas vidas passadas e seguir juntos como um só. Me deve respostas e satisfações por tudo. O quê? Sério que ainda reproduzem essa mentalidade em pleno 2017? Se relacionar com o outro não passa por apagar as experiências passadas.
Cada um tem uma história e uma vida que deve ser respeitada. Ninguém está para completar o outro, não existe isso. As pessoas são completas e devem buscar algo que dialogue com essa completude, não buscar outras como tapas buracos e relações baseadas em prazos.
Numa era de apps, as pessoas se acostumaram a deslizar e desfazer o que não satisfaz e apagar memórias de uma hora para outra. Às vezes se conversa tanto com uma pessoa e se cria vínculos em um encontro e, pouco depois, elas passam a agir como se não tivessem se conhecido. Pergunto: como podem achar que vão construir alguma coisa, se a forma que veem estas pessoas é basicamente como a que se tem com um produto qualquer?
A nossa cultura (comportamento) pode até ser entendida a partir de revoluções passadas cujo principal objetivo foi o estímulo ao consumo. O modelo se baseia na aquisição e, mais do que nunca, as pessoas têm trazido essa concepção para as suas vidas afetivas. Acredito que seja algo para se atentar. Como um produto qualquer, se espera novas roupagens, funções, atualizações e formas de reter atenção. Às vezes se está com uma pessoa à espera de uma nova melhor como mero passatempo. O quê há de saudável (e justo) nisso tudo?
Cadê as novidades?
Algo que me incomoda nas relações de hoje é a tal necessidade por ‘novidade’ e atenção quase que contínua. Escuto frequentemente: “terminei com meu parceiro porque ele não trazia novidades para relação”. Meu Deus, agora você é obrigado a ter novidades como uma revista semanal para que a relação prospere? Se não há o mínimo de empatia para se atentar a vida do outro e pensar meios de como participar, não tem como funcionar. E outra: um relacionamento significa dois, mutualidade. Não são só as suas necessidades e expectativas que são importantes, mas também as a do outro. É preciso escutar e dar espaço ao parceiro.
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