Medo do ser
O corredor era iluminado por uma luz pálida que deixara tudo mais asséptico. Ela caminhava pelo espaço estreito sem portas, janelas ou sinal de luz. Um vulto a assustou, quando reconheceu a existência de uma poça que a fez encarar-se com o próprio reflexo. Seu corpo aqueceu e o coração acelerou ao perceber que o que estava diante de si, na realidade, era o reflexo do algoz.
Ela deslizou na parede suja e se sentou apoiando os braços nas pernas. Imagine agora o castigo que seria tornar-se quem tanto fez mal. O coração acelerava, penava encoberta de lágrimas, vergonha, medo e remorso. Seu íntimo tramava formas de destruir em si as provas do que fizera. Contudo, tudo estava no ar. Inspirava e sentia o cheiro que a lembrava do que havia feito.
Saiu pelo corredor ainda mais desesperada, sem rumo, e mergulhou em uma poça de lama. Esfregou o corpo esguio para frente e para trás, rolava e rolava. Tudo que desejava era livrar-se de qualquer cheiro da vítima.
A lama do esgoto parecia ideal para esconder qualquer coisa. Porém, nada mudou, a vítima permanecia ali, presa a sua consciência. Ardia, doía e lhe fazia mal. Uma voz interior ecoava dentro dela com tons cada vez mais fortes e latentes. Aquilo era o medo de ter feito algo, de ter se tornado quem tanto não queria ser e reprimia no passado. Ela temia ser quem antes julgava e tentava imaginar como poderia existir alguém capaz de fazer o que foi feito consigo. Estaria a vítima se tornando o algoz?
Ela corria, rolava, bebia da própria lama. Mas o cheiro estava nela, mesmo mergulhada em um esgoto. No fundo ela sentia vergonha por não ter cuidado com os sentimentos que nutria no espelho dos olhos do outro silenciosamente. Ela agora tem medo, porque o reflexo a lembra tudo àquilo que fez de tudo para esquecer.
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*As postagens retornarão em 2017, aguardem novidades :)
Feliz 2017!