Da janela, o Centro



Eu vi dois rapazes seguindo uma moça ontem à noite. Eu não sei, ela parecia assustada. Acho que alguma coisa ruim pode ter acontecido. Quis chamar a polícia, mas quem acreditaria em mim? As pessoas mais jovens acreditam que eu sou uma velha louca que fica na janela o dia inteiro, esperando a morte chegar. Mas eu vejo coisas. Ontem vi esses três e, hoje cedo, vi um rapaz ser hostilizado por alguma coisa que não consegui entender direito.

Eu só sei que eles estavam na frente da escola dele e lhe jogaram um monte de ovos. Pareciam sádicos, porque riam o tempo inteiro. O que se passa na mente dessa gente, gente? Jogar ovos na cara dos outros assim no meio da rua? E mais: com tanta gente ao lado sem o que comer. Não me pareceu que era o seu aniversário, pareciam agressivos demais. Se bem que essa geração tem a agressividade como algo institucionalizado. No meu tempo, tínhamos mais paz.

Sabe que uma vez eu saí de Itapuã de noitinha e vim andando até aqui ao Centro e nada me aconteceu? Vá fazer isso hoje e aparecerá nas manchetes dos jornais de Salvador amanhã. Que bons tempos àqueles, viu? Agora eu já nem desço do meu apartamento por ter medo e não ter idade para essas longas caminhadas. Estou com 83 anos.

Você acha pouco? Duvido que chegue a minha idade com tanta agressividade e intolerância que vocês têm hoje como rotina. Sem falar na forma que vocês lidam com o trabalho, tempo e com as relações pessoais. Tudo é muito frio, descartável. Eu tenho medo. Depois dizem que eu é que estou velha, louca. Não sou pessimista e tampouco saudosista, mas essa gente mais nova parece que nunca se entende e está satisfeita com nada. É sempre uma pressa sem sentido.

E eu? Bom, eu me mantenho aqui, quieta no meu canto e da minha janela vejo o mundo. Para mim a av. Joana Angélica é o meu mundo. Não tenho nada mais mesmo. Meus filhos estão criados, tenho uma ajudante que volta e meia vem ver como eu estou. Passo o dia de camisola e com meu terço na mão. Me estico da varanda até o sofá para ver a televisão. Dou um sorriso sempre que me lembro das pessoas que passam pela minha vida. Vejo tudo por essa janela e parece mais confortável. Rezo por mim e pelos outros, porque nunca sei como será o dia de amanhã. Quem me dera saber. 
  










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