O choro



             

               A vida de Bru parecera comum na sexta-feira de dezembro, uma das últimas do ano de 2014. Acordara cedo, após mais uma noite mal dormida em função do trabalho, e antes mesmo de sair da cama, checou o e-mail e as mensagens da agenda. “Estou precisando de sua ajuda, meu filho nasce hoje. Gostaria que viesse até aqui e ficasse pelo menos até a minha irmã chegar do interior”, escreveu-lhe Ana, uma conhecida do trabalho. Bru era professor de um curso de informática e conheceu Ana, ainda no período de estágio.
                Bru esticou o corpo e com bocejo, respondeu que passaria lá, mas que deveria estar em outro compromisso às 17h em ponto, sem atraso. Abriu alguns jornais, enquanto comia torradas e bebia um pouco de café forte. A sua cabeça era metódica e, por isso, fatiava o dia inteiro com precisão e rapidez. Sentia que tinha o controle do próprio dia e da vida. Assim que se organizou e se arrumou, trancou a porta do quarto e da casa e foi em direção ao carro.
                Ao chegar à maternidade, ainda pela manhã, foi encaminhado diretamente para a sala do parto, pois a bolsa de Ana havia estourado, assim que lhe mandou a mensagem. Tudo já estava preparado para o parto. Bru nunca havia acompanhado um parto e menos ainda estado em uma sala de cirurgia. Não possuía qualquer vínculo com Ana além do profissional. Pareceu-lhe estranho participar deste momento tão particular, mas não questionou, pois ele era tudo que ela tinha. A única companhia. Visivelmente sem saber lidar com o imprevisto, entrou na sala em silêncio e apreensivo.
                A angústia em seu rosto e o cansaço de uma noite mal dormida se misturava ao que sentia diante da maca. Em alguns minutos, ouviu um choro agudo e contínuo: nascera o filho de Ana e estava tudo bem. Bru assistiu tudo anestesiado e não conseguia formular nenhum juízo. As imagens e sons se fixaram nele. Ele estava apenas em estado contemplativo. No final da manhã, deixou Ana no hospital e seguiu com a sua rotina.
                No final do dia, já exausto, tomou banho e deitou-se na cama. Estava pronto para dormir. No entanto, os seus pensamentos continuavam acesos e a angústia agora lhe impedia de descansar. Virou para o lado, virou para o outro. O que estava errado? Perguntava-se continuamente. Sem pensar muito mais sobre, agarrou o telefone e discou.
- Alô?
- Oi.
- Te acordei?
- Sim - boceja - o que aconteceu?
- É que tem algo urgente que preciso falar... 
Ela se levanta e senta na cama e continua: - Espero que seja mesmo, porque já são quase três da manhã.
- Eu preciso me despedir de você.
- O quê? Do que você está falando?
- É complicado dizer isso por telefone. Mas eu preciso partir. Venho ensaiando isso há meses e sempre adiei esse fim por ter esperanças na gente. Às vezes tudo parecia tão bom que logo desviava dessa ação.
- Eu estou sem te entender. Não já conversamos sobre isso? Você já não me disse que acabou tudo que sente? 
- Menti. Essa é a única mentira que te contei e que fui capaz de levar a sério durante todo esse tempo. Nunca deixei de amar você. Por isso mesmo estou partindo agora. Já não posso suportar mais isso por tanto tempo. Todas as noites, enquanto você dorme ou fala com outras pessoas, durante a madrugada, eu estou pensando em você. Fantasio como seria o dia em que você me amasse, aceitasse e valorizasse o que eu sou.
- Eu acho que devíamos conversar pessoalmente, você está em um momento frágil de sua vida, melhor que durma e nos falamos depois. Tente descansar, Bru.
- Não. Eu preciso falar com você. Preciso me despedir. Eu não aguento mais um dia convivendo com isso, porque você não quer e não corresponde. Faz muito mal para mim, para a minha autoestima, confiança. Eu já sei que você não me quer, que nunca quis e nunca irá querer. Nem mesmo na amizade você consegue desenvolver algo por mim. Estou num cansaço absurdo de esperar alguma coisa, de ter esperança, de todas as noites pedir para algum deus, ou o universo, trazer você até mim e para você ficar comigo. Sinto-me numa cela, morrendo aos poucos. Você nunca entenderá isso, porque você nunca sentiu o que eu sinto por você por ninguém e menos ainda por mim.
- Eu não sei o que dizer.
Lágrimas preenchem os olhos de Bru e continua: 
- Você sabe sim. Você só não quer dizer. Sei que quer dizer: "vá embora, porque eu nunca quis você, nunca irei querer e insistir na gente é burrice. Eu não me importo com a sua ausência na minha vida, eu nunca te quis e nem me interessei por você. Se diz me amar e adorar, pouco importa. Pare de esperar, eu não vou te amar e nem gostar de você. Por favor, me deixe de vez, pare de sofrer, nós não teremos nem uma amizade, porque nem para isso você me serve". Eu sei que você quer dizer isso, não precisa ter pena de mim.
- Sabe tudo você.
- Sei o que está me dizendo ao lidar comigo.
- Eu realmente não sei como dizer. 
- Se não sabe, então anota tudo que eu falei e repita. Você diz tudo isso para mim sem usar uma única palavra. Durante todo esse tempo, estou esperando algo, sofrendo. Vi e vivi tanta coisa que eu não precisava. Não ganhei nada além de um vazio grande, de um medo de me relacionar com outras pessoas e a perda da esperança na vida e em ser amado. Você me desvalorizou tanto, que não sei mais o que é ser valorizado, estou verdadeiramente pedindo e anunciando que estou indo embora. 
- Eu vou ser direta: vá.
Lágrimas se intensificam e agora passam a preencher o seu rosto. O coração do Bru acelera forte, uma quentura e tremor invadem o seu corpo magro e todas as lembranças começam a surgir como uma chuva de meteoros. A esperança reage e indica que dói matá-la a sangue frio.
- Antes de... de ir embora. Queria dizer que nunca amei tanto alguém, como amo você. Quando recebi o seu primeiro abraço e beijo senti que minha vida iria mudar. Que você era a pessoa certa para mim. Investi tanto, fiz muito por você. Dei tantos presentes carinhosos, imateriais e materiais, só para tentar te conquistar. Eu estive presente na sua vida e cotidiano, isso serviu para algo? Para mim significou. Eu não obtive nem a sua gratidão. Só se valoriza o que não se tem ou o que se perde? Quem sabe, só sei que estou no fim. Estou indo embora de vez. Você pediu e se realizou. Mas o resto de esperança implora para que eu esteja enganado e que você mude tudo isso para sermos felizes.
- Você deve seguir em frente. Me esqueça. É para seu bem. A maneira como eu vejo você e deixo claro que não quero nada e nem que sou grata por qualquer coisa que tenha feito, só te faz mal. Vá embora. Você precisa me deixar de vez. 
Bru desliga o telefone e soluça sem parar. Estaria agora disposto a dar fim no relacionamento que o aprisiona há anos? Aos sentimentos que resistem a tudo sempre? Tudo lhe parecera perfeito por um tempo, por que a mudança agora? A liberdade agora lhe parecia cara, será que ele está disposto a pagar o preço justo? Ou melhor, será que o universo lhe cobra o justo? Se tudo que ele tinha era amor e carinho, porque não deu certo? Continuava sem entender. Sabia que por mais que fosse doloroso, precisava continuar. Jogou-se na cama e pediu que o sono chegasse para levar-lhe toda a dor. Já entregue ao inexplicável que sentia, ouviu o choro do filho de Ana outra vez, com o mesmo tom agudo e preciso. O sono o dominou e agora o seu dia seguinte já não poderia ser mais previsível. Tudo isso o deixava aflito, mas confiante de que a liberdade lhe fará bem.  

 






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