Porção
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O cavaleiro saiu às
pressas montado em seu cavalo por todo o reino quando soube que uma porção
poderia lhe conceder um aguardado milagre. As patas dos animais saltavam da
lama em uma velocidade assustadora. Ninguém
conseguiria pará-lo. O homem estava entusiasmado com a possibilidade de
escapar do maior de todos os problemas que obrigatoriamente enfrentava por ser
quem é.
Até então, os conflitos
lhe aprisionavam há um tempo. Como resposta, colocava em prática inúmeros
planos na expectativa de obter sucesso. Eles eram quase sempre racionais,
precisos e objetivos. Chamavam a atenção dos conselheiros da realeza pela
clareza de raciocínio e frieza na execução. Eles acreditavam na eficácia e que,
se o cavaleiro se esforçasse, teria o resultado satisfatório e imediato. O alívio poderia ser alcançado com esforço –
repetiam.
No entanto, bastava um
olhar e as muralhas de racionalidade pura se dissolviam e a lógica das
estratégias se tornava obsoleta. Novamente o cavaleiro se via preso e vagava
pelos cantos do reino por ser quem é.
Um dos anciões, cansado
de ver a inteligência do jovem ser usada em planos falidos, sugeriu a tal
porção direcionada a alguns reis. Foi aí que o cavaleiro acreditou que tudo
seria solucionado e que não mais seriam necessárias as muralhas de enfrentamento,
porque ele seria a própria. Mais forte, seguiria em frente com toda a imponência
e inteligência. Voltaria a conquistar e recuperaria tudo que perdeu nos últimos
anos. Um único gole mataria a sede que tinha pelo controle.
Quando finalmente
encontrou o vilarejo onde vivia o inventor da porção milagrosa, foi direcionado
ao local onde agora habitava. O cavaleiro se surpreendeu por ser tão afastado
da cidadezinha e com o visual do espaço: havia lápides e a vegetação invadia os
pés de quem ousava adentrar.
– Ele está aqui, Sr. – disse um dos criados. Foi então que se dera conta de que o dono da
porção já não estava mais entre eles. – o inventor morrera de overdose –
completou.
O jovem, que cavalgou por
quilômetros, desapontado com o que viu direcionou-se ao velho coveiro que
estava à paisana e perguntou o que acontecera ao homem inventor. Ele
respondeu-lhe andando em círculo:
– Dizem que foi o
excesso. – respondeu. O coveiro
observou o semblante do jovem cavaleiro e parou por um tempo. Quando o membro
de realeza ensaiava dar as costas e ir embora, o velho continuou:
– Mas ele não queria
morrer e ninguém sabe como ficou cego e irracional a ponto de não perceber o
que estava fazendo. Tudo que sei é que em uma noite de decepção bebeu todo o
estoque da porção que tinha. Parecia não encontrar outra solução para conseguir
viver a situação e optou pelo consumo desenfreado para o alívio. Isso mesmo: da
própria porção que vendia. – enfatizou com um riso irônico. Neste instante o
velho para e observa o homem que veio de longe e finaliza: – Assim, ele se
deitou, fechou os olhos e não acordou mais.
Inconformado, o cavaleiro
se pôs a mais uma pergunta ao velho guardador das covas:
– Você sabe o que tinha
nessa tal porção? Estou precisando muito dela, vim de longe.
O velho olha fixamente
para o cavaleiro e lhe responde com precisão e rispidez:
– Orgulho.