Ninguém (Parte III)
As palavras da
enfermeira penetram em mim como agulhas pontudas no meu ouvido. “Ninguém”.
Sinal que você não me procurou. Parece que só eu senti sua falta e só eu estive
pensando em você nessas últimas horas, digo, meses. Começo a chorar
insanamente. A enfermeira me abraça e tenta me confortar. Você não veio, não me
procurou, isso me doía mais do que a dor de ter sofrido um acidente e ter
ficado em estado coma por tantos meses.
Entreguei-me às
lágrimas e ao desespero sem resistir. Chorava insanamente e tremia o corpo em
razão da pura frustração. Quatorze meses se passaram e você não me procurou,
não quis saber de mim e provavelmente não sentiu saudades. E agora? A vida me
parecia tão dura, que talvez eu inconscientemente tenha gostado de ficar por
todo esse tempo dormindo para não ter de lembrar de que você não me procurou e
eu, nos meus últimos instantes de vida, estava pensando em você. Minha mente se
encontra tão bagunçada quanto na hora do acidente. Uma mistura sentimental me
domina e eu perco toda a vontade de sorrir ou respirar.
Eu estava sob domínio
do fantasma do término, completamente entregue a frustração e tristeza, por
tudo que aconteceu. Do que adiantou eu ter colocado você para cima, ter
confiado em você? Do que adiantou todo amor e carinho? Você não demonstrou nada,
nem sequer me procurou. Agora eu estava me sentindo só diante de um mundo novo
que eu não sabia onde encontrar forças para encará-lo. Novamente pensei em te
procurar, porque você ainda é a minha referência de amor e segurança. Você se
lembraria de mim depois de tanto tempo? É de você que eu me lembro, quando
imagino o amor, mesmo que você não tenha me correspondido. Por isso mesmo dói,
porque você significa muito para mim e eu, o que significo para você?
O fantasma do término
me atormenta nesses poucos minutos após reencontrar-me com a consciência. Mas
pensando bem terminamos o quê? Nunca nem começamos nada. O que me deixava
entregue a angústia é imaginar que nesses meses outras pessoas entraram na sua
vida e que você nem sequer lembraria mais de mim. E agora? O que devo fazer?
Sentia um conjunto de sentimentos que eu não sabia muito bem identificar.
Ciúmes, raiva, medo, frustração, amor, saudades. Tudo junto. O excesso de
sentimentos era o vazio. O vazio, por sua vez, me machucava. O vazio era assustador
e belo simultaneamente. Eu era o vazio e assustador, mas não via beleza em
sentir o que sentia. Por que e para quê sentia? O que eu poderia fazer agora,
num mundo sem você?
Observo ao lado, na
minha banca, o meu celular. Há alguns arranhões, mas ele ainda parece inteiro.
Peço à enfermeira que me traga um carregador. Uma única mensagem sua, um
registro de ligação perdida seu, me daria esperanças e me faria sentir melhor.
Minutos se passam, enquanto revivo o sentimento intenso da saudade. A porta se
abre e a enfermeira traz o carregador com uma bandeja com alguns alimentos.
Ligo o meu celular e aguardo alguns instantes. Instantes decisivos para um
término ou recomeço. Mordo um pedaço do biscoito e então visualizo algumas
notificações. 11.714 e-mails e mensagens. Apenas uma me traria o equilíbrio
temporal. Vasculho rapidamente com as ferramentas de busca pelo seu nome e nada
encontro. A dor volta outra vez.
Quatorze meses se
passaram e você não me procurou. O que eu devo fazer agora? Caio em lágrimas
outra vez. Como parece perversa a sua reação. Só eu senti saudades, só eu sofri
com a ausência. A assimetria sentimental entre nós se agravou. Olho suas redes
sociais e percebo que há meses saiu, se divertiu e viveu outras coisas. Mesmo
com pessoas que você não tinha proximidade, você saiu e deu chances a elas. E
por que comigo você não deu uma única chance? Isso me machuca outra vez. Em
quatorze meses você não me procurou nem para me mandar uma mensagem? O que eu
deveria fazer? Continuo me questionando. Você realmente sumiu, encarou como fim
e eu não? Será que só eu criei esse fim? Esse fim, na verdade, é uma invenção
minha para um começo do que nunca existiu? Estou entregue à confusão. Meu corpo
se joga outra vez na cama e olho para o teto atrás de respostas.