A última peça
Há clareza nos
sentimentos que parecem saltar de outro tempo, numa dimensão para além de
qualquer compreensão racional? Estão visíveis as peças que constituem nós dois?
E quanto à peça que não existe e nunca existiu? Como está meu rosto diante do
processo injusto de tentar encontrá-la?
Resisto a parecer triste outra
vez ou é a minha expressão de apatia, diante da realidade que tanto esquivei? Parece
injusto olhar o interior e perceber sentimentos incomuns e intensos sendo
ceifados em prol da sobrevivência. No início éramos apenas conhecidos, hoje,
depois de tudo, o que somos?
Vivia atrás de peças que
não existem e que dão sinais de que nunca existirão. Montar o quebra-cabeça todos
os dias era o mesmo que quebrar a mim mesmo e os sentimentos, a cada encontro e
ressignificação sentimental. Embaralhávamos as peças. Éramos ingênuos ou
sabíamos o que estávamos montando?
Hoje o dia está mais duro
e não há mais possibilidades em desvendar algo já tão embaralhado. A principal
peça não existe ou permanece em suspensão por qualquer razão. Ainda que exista
a busca, ela sempre cansa e tem tornado os olhos opacos de um dos lados.
Renuncio a busca por
peças e respostas, para tentar trazer o brilho outra vez. Ignoro qualquer
tentativa de manter você em mim, desmonto
nas vezes em que falho, porque nada é tão prático e frio, como você me pede. Meu racional renuncia friamente
ao ato intuitivo de montar as peças e o de manter o que há de melhor em nós
dois. O emocional, no entanto, desaba e resiste em deixar você ir embora. Ele
resiste porque a última peça, a mais espontânea e vital do quebra cabeças, está
com você. ∞