Sons dos loucos – parte V (FINAL)
– Mas e se vocês
passarem a disponibilizar o modelo dos meus óculos?
Bebendo da apatia do
começo da conversa, respondeu:
– Poderíamos tentar
encontrar um jeito. Mas sinceramente, o seu modelo nos dará muito trabalho e
questionamentos. Não estamos querendo isso. Já prevemos este espaço em outros
modelos. Mas o seu, uma hora ou outra desaparecerá. Ninguém sobrevive invisível
por muito tempo.
Adam reagiu e
contrapôs:
– Pouco importa as suas
constatações. Os óculos são meus e não vou descartá-lo por nada! Os fiz com o
meu suor.
Com cara de desdém e
fitando-o de maneira a intimidar, respondeu em tom baixo:
– Você quem sabe. A vela
está perto do fim. Esteja pronto para conviver com as consequências da solidão
e escuridão.
– Estou pronto para por
rachaduras em seus modelos, quando pisar em suas lentes! – gritou.
– Você nunca conseguirá
me atingir. – voltou a gargalhar ironicamente e o som da sua risada pareceu
abafado e aguçado. Adam arrepiou-se.
– Você nunca tomará os
meus óculos.
Mais uma vez esticou-se
na mesa e pôde sentir a quentura da vela e o ataque iminente. Revidou com
agressividade o enfrentamento de Adam:
– É o que vamos ver.
Até quando suportará a solidão em comunicar-se apenas consigo mesmo?
Adam fitou o rosto do
sujeito, aproximou-se do centro da mesa e num sopro de resposta, pôs para fora:
– É o que vamos ver!
Veremos até quando os seus modelos irão perdurar. Estou ansioso para descobrir
como tudo isso irá terminar. Pode ser que não sobreviva para ver, mas esses
seus modelos de óculos em algo pior irão resultar.
A chama se apagou com a
força das palavras finais de Adam. Ele ouviu passos de quem se afasta e repousa
em algum ponto da sala.
Num tom de desdém e
vitória, o sujeito, ao abrir a porta e ao a luz clarear o seu rosto, encarou
Adam mais uma vez, talvez a última, dizendo:
– E quem disse que nós
nos importamos com o futuro? Criamos ambientes perfeitos para o presente ser o
único vínculo de vida. O futuro é composto apenas por promessas que não temos obrigação
alguma de cumprir. Nem sequer percebem que estão caminhando para o futuro. O
presente os aprisiona, os esmaga. – fechou a porta.
Adam voltou a abaixar a
cabeça e permaneceu sentado, pronto para o próximo contato, que não sabia
quando iria acontecer.
Tudo estava escuro. Foi
vencido pelo cansaço físico e desgaste mental. Horas depois voltou a ver as
cores num outro ambiente. Distinto da escuridão que havia o transportado sem
seu consentimento. Seu corpo estava limpo e seco. Quando achou que tudo estava
normal, próximo à fase em que se buscam classificações e conclusões para os
experimentos, traçou uma possível definição para o que ocorreu: um pesadelo.
Mas logo rompeu a interpretação, quando percebeu a gravidade do que se passava
e da ameaça que recebeu.
As palavras fortes com
significados destrutivos latejavam em sua consciência. Elas o fez engolir seco
as suas constatações e a retirar os óculos por alguns momentos, só para não ter
de encarar o que estava posto para si e para os outros. Pela primeira vez na
vida, Adam pensou em desistir dos próprios óculos. ∞FIM