Sons dos loucos – parte I
Adam abriu os olhos e num lapso instintivo levantou
a cabeça. Seu corpo parecia úmido. A escuridão ao fundo lhe dava a confirmação
de que estava numa sala desconhecida e gélida. Embora fosse difícil visualizar
detalhes do lugar em que acordou, notou que estava sentado numa cadeira de
plástico e na ponta de uma mesa grande. Ajustou os óculos no rosto rosado e
passou a mão nos cabelos, como se pudesse desvendar o que estava no escuro.
Tudo que poderia ver, até então, era uma vela acesa
no centro da mesa. Na outra ponta da mesa, um sujeito de olhos claros, grandes
e fundos. Tinha a barba cerrada e a escuridão dos seus cabelos, confundia-se
com a escuridão da sala. O sujeito o encarava energicamente, pronto para sugar
a sua alma e energia vital. Assustou-se com o que viu.
Ainda que estivesse solto, sentia-se preso. Estava
preso em um campo invisível. Tudo era novidade e causava medo. Tentava
desvendar o escuro ao olhar para os lados, mas nada conseguiu ver ou imaginar. Sentiu
a quentura do seu corpo cair lentamente, ao lidar com a tensão e o perigo. Seu
coração acelerava e seus olhos caminhavam para avivar o desespero. A garganta
seca abafava a voz que não podia sair. A voz estufada e contida no próprio
peito trouxera a angústia em não ter condições de levantar e procurar a saída.
Da
ponta da mesa, a expressão da apatia e do tédio, sobreposta à certeza de que
iria obter o que tinha em mente. Adam estava afoito e nervoso. Não sabia onde
estava, mas paradoxalmente sabia reconhecer características do rosto que via. Conhecido. Sentiu-se mais uma vez intimidado
e ameaçado. O silêncio imperava por todos os lados, o que tornava o ambiente à
parte de um mundo possível.
Adam
olhou para o centro da chama da vela, na tentativa de desviar do sujeito
misterioso. Seus olhos logo passaram a lacrimejar. A expressão apática do outro
lado lhe disse:
– Estou pronto para
negociar. Nossa conversa irá durar exatamente o tempo em que esta vela
permanecer acesa. Se eu fosse você, começaria agora.
Sem compreender o que
estava para negociar, colocou uma de suas mãos sobre a mesa e repousou a
cabeça, encarando os olhos fundos do sujeito pela primeira vez.
–
Você é mais resistente do que imaginávamos. – disse analisando a atitude de
Adam. – Tudo bem, você pode ficar com esses seus óculos.
Adam
tentava desvendar o mistério da situação, mas permanecia calado e atônito.
Esperava por alguma conclusão própria, no mesmo ritmo em que era enfrentado
pelo rosto do desconhecido.
O homem, com a voz de
quem está pronto para o embate continuou:
– Embora ainda esteja resistente,
acredite: você nunca será feliz como nós somos. Nunca poderá conhecer o nosso
conceito de felicidade, enquanto estiver usando esses óculos. ∞Continua...