Rastros do passado
Dividiram uma vida, sentimentos, medos e o mesmo
espaço por um tempo. Por quantos dias ou meses não vem a caso. A percepção e a experimentação
do tempo eram particulares. Eram um só e repletos de contradições. Um só e tudo
era mais do que harmônico. Ela tinha medo do futuro e ele angústias pelo que já
foi ou se torna passado.
Dividiram histórias.
Ela sabia das suas histórias tristes e felizes e ele sabia das delas. Do outro
lado da rua, da sala ou cidade se entendiam sem palavras, ao trocar sensações e
olhares, mesmo a metros de distância. Ele sabia como irritá-la
instantaneamente. Fazia algumas vezes, porque adorava quando faziam as pazes.
Alimentavam a crença do
indestrutível e do vínculo eterno. Nas conversas e declarações juravam
autenticidade a tudo que prometiam e sentiam pelo outro. Selavam com um beijo.
Dois, três. Sempre mais de um. Nos abraços um do outro encontravam o conforto
para os próprios medos. Eles se sentiam grandes quando o mundo fazia crer que
eram pequenos.
Eles
tinham um ao outro e o mundo parecia ordenado e suficiente por isso. As
ambições cessaram por vários lados, porque a vida pareceu simples e completa.
Os planos de um se alinhavam com o do outro, por isso pareciam um só, ainda que
tão diferentes.
Hoje
o dia amanheceu diferente para os dois. O mundo já não é o mesmo. Sequer se
olham mais. Tanto faz se eles saibam que já dividiram a mesma cama,
intimidades, sentimentos e histórias. A banalidade do desgaste afasta qualquer
remorso. Ela faz de tudo para crer que o incômodo dele, com tal banalidade, não
é normal, porque nada mais faz sentido para ela.
As fotos que tiraram
juntos estão apagadas de poeira e poderiam escrever os seus nomes com o dedo se
lembrassem um do outro e da existência da própria foto. Se recordassem dos
momentos passados, do primeiro encontro, do primeiro abraço ou da vez em que
ela colocou a cabeça no peito dele para sentir-se acolhida ao mundo.
São
estranhos. Fazem questão de frisar que tudo àquilo é passado. Sem qualquer
melancolia ou identificação, mas agora talvez vocês entendam porque ele temia
tanto o que se torna passado. ∞
*Texto publicado como sequência ao especial Antologia do fim. Este é o último texto.