Como podem?





Como podem os cheiros da cidade
Permanecerem intactos
Diante de tudo?

Como podem os carteiros entregar cartas
Os motoristas buzinarem nas faixas
Se tudo agora é diferente?

Como pode o sol sair
E haver tantas pessoas na praia,
Se o clima é outro?

Como podem parecer indiferentes
Ao que transmito em silêncio?
Como podem não ler as entrelinhas?

Como podem parecer apáticos
Aos passos que estou dando em sua direção?
Sem controle, no fluxo do impulso

Como pode o bar estar aberto 24h
E haver pessoas se distraindo
Enquanto permaneço concentrado a você?

Como tudo me parece injusto.
Permaneço preso a sua imagem
E ao nosso imaginário avivado em ações

Como parecem injustas as pontualidades da vida
A pontualidade do fim, os ecos do choro,
O amor perdido, o cansaço do recomeço

Como parecem injustos aos amantes proibidos
Os que querem um único sentido
Para extinguir o que é proibido, o que aprisiona e destrói

Como parecem injustos os sussurros nos ouvidos
O dia esquecido, a mágoa que não sara
A lembrança que não se apaga

Parece injusto a fábrica funcionar 22h
E os funcionários não poderem vislumbrar
Que algo aqui está errado e pode não mudar

Parece injusto que não tenham visto
Que já é domingo, que estou num martírio
E uma nova semana, de um velho tempo, recomeça

Como parece injusto o canto dos pássaros
Que me acordam tão cedo
E me tiram do único sossego

E eu não sei como mudar o que pede urgência
Por tudo parecer e ser diferente
Como posso continuar a te encarar?

Como posso continuar a caminhar?
Diante de tudo, das promessas do futuro,
Como posso acreditar que tudo isso é justo?  



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