Desconhecido irreconhecível






Imagine que os relacionamentos são como o nosso corpo. O que é necessário para mantê-lo saudável e vivo? Basicamente, alimentação e hábitos. Já notou o que acontece quando se exclui os alimentos e os hábitos, dia após dia? O corpo se autodevora, logo vai secando. A pele cola-se aos ossos, a carne murcha. Tudo porque, o nosso organismo tenta nos salvar. Para tal, se alimenta do que há em nós, mesmo que para isso tenhamos de nos tornar esqueléticos, irreconhecíveis ou simplesmente deixarmos de existir.
Assim também são os relacionamentos. Imagine que por muito tempo foi construído algo grande, bom e saudável. Durante as experiências, se expandia e se retroalimentava. Eis que em um dia, uma ruptura define o que é passado e o que é presente, a alimentação cessa. Então, numa tentativa de manter o que se acreditava ser bom, tudo começa a se autodevorar.
Os fatos vão acontecendo e você tenta amortecer as suas lamentações e frustrações, com o que construiu e fez bem. São as suas lembranças e alegrias passadas que vão sendo devoradas dia após dia, até não restar mais nada do que se sentiu num relacionamento, nem mesmo o básico: o respeito e carinho pelo outro. Depois de tanto autodevorar o que mantinha ambos envolvidos, o irreconhecível, desconhecido. Tornam-se estranhos, ou mesmo, inimigos, ainda que tenham dividido intimidades.
Toda teimosia e cegueira parecem ser inerentes, por isso a autodefesa. Precisamos de ilusão para lidar com a realidade e vice versa. Procuramos nos defender de tudo que oferece risco a nossa própria ilusão potencialmente real. Portanto, não se trata do que a pessoa se torna, na verdade ela já é. O que sempre muda é a nossa percepção em ver e aceitar o outro. Se antes nos alimentávamos de estímulos positivos, capazes de esconder o que incomoda, com a autofagia tudo toma um rumo diferente.
Nenhuma de nossas essências se mantém para sempre do mesmo jeito e nem a dos outros.  Não existe nada que não precise de manutenção. Observe a natureza, o seu corpo. Nada é concreto o suficiente para que se torne impenetrável, intocável. Não somos isolados de nada, nem de nós mesmos. Vivemos de estímulos, precisamos deles. Contudo, demoramos em encarar o fim, em lidar com as mortes e de se abrir ao renascimento. Acabamos devorando as nossas próprias lembranças, felicidades e sentimentos. Embora seja mais fácil, em passos largos, acabamos transformando o reconhecível em irreconhecível.
Talvez o segredo para viver muito esteja relacionado com a sabedoria em deixar algo morrer várias vezes durante uma única vida. A vida não é uma linha reta e você nunca verá as peças encaixadas de uma só vez.
Permita-se a morrer quando seu espírito precisar nascer outra vez. Se o real é potencialmente perceptível, porque destruir-se com o que já é ilusório? Não deixe que a sua própria felicidade e equilíbrio se tornem meros desconhecidos irreconhecíveis. Não se pode conviver com um grande e infértil vazio por tanto tempo. É uma questão de sobrevivência. 



Comentários

  1. Oi Vinicius
    Nossa, seus textos estão cada vez melhores, estão ficando complexos daqui a pouco vc estará escrevendo igual a Luciana Santa Rita (kkkkkk), os relacionamentos são tão complexos como seu textos, na minha opinião, em qualquer nível de relacionamento, alguém tem que ceder as vezes, e tem que haver respeito sempre. Parabéns pelo texto!
    Bjos. e uma ótima semana.

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  2. Oi Vinicius,

    Tudo bem? Que texto lindo! Parabéns pelo texto! Gostaria de perceber a hora exata de matar aquele sentimento e ressurgir como Fênix. O vazio é irreparável para si mesmo.

    Bom feriado!

    Lu

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  3. É, nós precisamos de alimentos, não só alimentos que nos mantenham fisicamente vivos, mas também alimentos espirituais, que nos permitam viver em harmonia conosco e com os outros.

    Bela reflexão, Vinicius!

    Sacudindo Palavras

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Bem-vind@ a Ótica Cotidiana!
Obrigado pela visita e leitura do texto.


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