Meio-fio urbano: Sensações perecíveis
Trânsito parado, oportunidade para observações.
Pés calejados e suados de quem trabalhou o dia inteiro, disputam espaço num
ambiente cercado de opressões. Ao fundo: som alto, pessoas educadas ou não, pedintes,
vendedores e os fervorosos defensores de suas crenças.
Enquanto isso, a cada beep
de ‘acesso autorizado’ é garantido
mais conteúdo aos cofres daqueles que lucram, enquanto o espaço se torna cada
vez menor. Ao cidadão comum, a opressão nunca é pouca: é preciso ainda se
preocupar com os pertences, para que não seja furtado em meio àquele aperto. É,
viver em cidade grande repleta de aproveitadores, não é nada fácil. Mas entre
um aperto e outro, uma cena ganhou à atenção da multidão.
O trânsito estava parado porque
um idoso havia sido atropelado. Imediatamente todos ao meu lado demonstraram
ter tanto cuidado e respeito por eles, que quem não estivesse atento não
perceberia que era apenas uma miragem. Ao olhar onde estavam sentados, a
contradição se materializava: nas cadeiras reservadas ao idoso, havendo muitos
deles de pé. Há uma nuvem de sentimentos perecíveis -- que não vão além da
superficialidade e que não permitem sequer olhar o próprio lado -- estacionada
em sociedades como a nossa, onde os valores caem para o mais baixo.
Reprodutores e produtores desta
compaixão temporal se recusam a qualquer ato que possa tirar-lhes do conforto. Nada
pode atrapalhar a agilidade deste cotidiano sempre atribuído de nadismos. Reclamam
por pessoas mais velhas ‘lotarem’ as conduções. É sempre o sentimento de
terceira pessoa: eles podem esperar, afinal, eles têm tempo, podem ficar em
casa. Sair cedo? Para quê? Tudo não passa de um conjunto de pensamentos débeis
em que quem tem mais idade deve limitar-se e conformar-se ao nada. Que direito
é esse em que a liberdade e a interação se limitam aos que são mais jovens? Só
quem é jovem têm rotinas e sentimentos urgentes? A juventude é finita e as
ações em prol do imediatismo são quase sempre um problema.
Bastou avançar alguns metros para
que àquela compaixão temporal se convertesse em total desprezo. Logo ignoraram
a presença de outras pessoas no ponto de ônibus e quando uma conseguia entrar,
no momento em que subia as escadas, foi possível ouvir até um ‘arrasta logo motorista, estou com pressa’.
A rotina de nadismos tem de ser logo preenchida. É preciso chegar logo aonde se
quer chegar. É uma disputa em que cada um parece ter mais pressa que o outro, só
o individual importa. Pisar no pé e pedir desculpas a um desconhecido é quase
um milagre. Quanto mais poder e notoriedade, menos probabilidade em perceber os
outros.
Pergunto: adianta ter cursos
superiores, títulos e muitos bens materiais se o básico é inexistente ou é
deturpado? É muito fácil demonstrar-se sensível, solidário e respeitoso com o
outro, desde a tolerância social, racial, religiosa, sexual. Mas de nada adianta
apenas demonstrar até a situação real se aproximar. Como querer que as coisas
mudem se não contribuímos para a mudança? Fica fácil apontar o que está podre,
feio e sujo. São contradições que consolidam contradições. Vejo pessoas
reclamando de ingressos culturais caros, mas possuem carteira falsificada. A
contradição pode estar em nós mesmos. Somos parte deste podre, feio e sujo.
Geralmente só conseguimos ver problemas nas ações do outro, quando na verdade o
problema está enraizado em nosso próprio comportamento.
Quando vejo situações como estas,
ninguém lá fora ajudando e ninguém de dentro preocupado de verdade -- diria até
que já estavam preparando vídeos para por na internet -- paro para pensar. Essa
filosofia burra, inútil e doentia de só pensar em si e por si não é tão
racional quanto ensinam. Por isso, cada vez mais, ao abrirmos as nossas janelas
notamos o caos no horizonte, mesmo diante de belas paisagens. Reforçamos o que
se deseja mudar ou caímos nos sentimentos de mal estar? Temos medo de sair e do
outro, temos e mantemos produtos de um conjunto de sensações perecíveis.
Coluna meio-fio urbano:
Uma temática urbana será abordada a partir da minha leitura do
cotidiano. Já notou o que há no meio-fio da sua cidade?
#Footnotes:
O meu sentimento de blog:
Todos deveriam ter um blog pelo menos por um tempo na vida. Estou quase
com quatro anos no blog. Como numa graduação, curso, ou que seja com este mesmo
período, quantas coisas aprendi! De verdade!
Aprendi com o outro e comigo mesmo. É muito gratificante perceber a
própria evolução, relembrar as suas origens com humildade. É realmente algo
impagável e inigualável.
O que devo dizer nestes anos todos é que sou bastante feliz por ter
criado um blog, e hoje, anos depois, bastante realizado.
É muito bacana perceber que há quatro anos você ajudou alguém com suas
palavras e experiência. Impagável ser parado no cotidiano, por alguém que diz
que se identificou com o conteúdo publicado. É muito gratificante mesmo! Me
sinto num baú de recordações felizes e de aprendizado.
Este é o espírito que faz com que cada vez mais eu me sinta realizado
com algo tão pessoal na vida de outras pessoas.
O meu eterno OBRIGADO! (adicionado em 07/04/2012 às 01:22)
Não deixe de conferir o post que escrevi lá para o ArrumaBlog, muitas dicas bacanas.
Concordo com cada linha, Vinicius. As pessoas estão extremamente preocupadas com elas próprias, tão preocupadas, que são incapazes de ser preocupar de verdade com as dificuldades alheias. Mas quando digo se preocupar, quero dizer se preocupar e tentar solucioná-los. De nada adianta se lamentar por algum problema e não tentar elucidá-lo. De nada mesmo.
ResponderExcluirÉ triste ver esse tipo de coisa como essa que você observou, em que as pessoas se compadecem do idoso atropelado, mas ignoram os que veem diariamente e/ou até mesmo se irritam com a presença deles. É muito triste. Essas pessoas esquecem que vão envelhecer um dia. É por isso que eu digo: a gente tem que ter consideração pelas pessoas, precisamos ter respeito, seja para com quem for. Até porque penso que todo mundo gosta de ser respeitado.
O que falta, Vinicius, é vontade das pessoas. Vontade de mudar. Falta sensibilidade para enxergar algo além do próprio umbigo.
Será que um dia seremos seres humanos melhores ou a tendência é piorarmos dia a dia?
Oi Vinicius
ResponderExcluirGostei realmente do seu texto, vc tem estilo, e expressa o que acontece nas cidades grandes. Ainda bem que eu moro numa cidade pequena, nem tem semáforo, mas mesmo assim falta respeito com os idosos.
Dá uma passadinha no meu blog, se der, que eu cito vc no último post.
Bjos e um ótimo feriado.
http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br/
Erica,
ResponderExcluirPrefiro acreditar que iremos melhorar, evoluir, porque se continuarmos do jeito que estamos não vai demorar a humanidade deixar de existir. Sem dúvidas precisamos nos permitir as mudanças, a agir mesmo, do contrário, tudo continuará do jeito que está. É como você falou: o que falta é vontade, concordo e digo que falta também percepção de que essa mudança é possível. Sensibilidade é o que mais falta nas relações pessoais.
Agradeço o comentário e fico muito feliz com a sua reflexão!
Lu,
ResponderExcluirPois é, infelizmente é recorrente esse desrespeito, sempre tendemos a pensar só em nós, lamentável.
Obrigado pelo comentário, não consigo acessar seu blog, aconteceu alguma coisa?
Tenha um ótimo feriado também
:**
Oi Vinicius,
ResponderExcluirTudo bem? Hoje a questão do transito caótico não é mais exclusivo de grandes cidades, pois nas pequenas cidades a moto tomou espaço. Enfim, sem infraestrutura o problema só se agrava. Excelente post.
Lu
Escrevi um texto em meu blog que se chamava "dá licença com seu SER que meu TER está passando"... nele expressei minha indignação sobre a postura da maioria das pessoas, no trânsito!
ResponderExcluirÓtimo texto!
bjks JoicySorciere => Blog Umas e outras...
Olá Vinícius Gericó,
ResponderExcluirDestaco as suas palavras: "o problema é nosso!", isto é, cada um de nós precisa fazer a sua parte, e algumas vezes ir além de nossa parte, afinal, se os que estão fazendo já não são suficientes, resta-nos além de cumprirmos com os nossos "deveres" sociais e tentar suprir a ausência de atitudes corretas de outrem, enfim, como acredito que você esteja fazendo neste momento, pois o princípio se dá através das opiniões, que posteriormente tornam-se ações.
Gostei de seu blog, mas onde está o botão "participar deste site"?
Um abraço e até mais...
brevescronicas.blogspot.com
Anselmo.
Luciana,
ResponderExcluirSim, de fato o trânsito não é mais novidade, por isso ele não é o foco do texto, é apenas um ambiente de fundo pra minha reflexão.
Obrigado pelo comentário!
Joicy,
ResponderExcluirSim, de fato o trânsito transforma as pessoas, mas o foco do texto não foi ele, foi apenas um ambiente de fundo, o foco principal são as relações urbanas com pessoas de mais idade e a pressa individual de cada um.
Obrigado pelo comentário!
Anselmo,
ResponderExcluirConcordo com você e fico feliz com sua reflexão, é o que nós podemos fazer para cumprir a nossa parte.
O botão 'participe deste site' no meu blog é àquele lá próximo ao menu 'seguir este blog' ou na barra superior na navbar, na opção seguir.
Muito obrigado pelo comentário!
Abraço!
Olá Vinícius.
ResponderExcluirRapaz, esta história sobre o atropelamento do idoso ter chamado a atenção me deixou dúvidas se foi compaixão ou aquela curiosidade mórbida que a maioria tem para ver acidentes.
O individualismo tem tomado conta de nossas realidades e está cada vez mais difícil conseguirmos agir de modo diferente diante de tanta competição, correria do cotidiano. Infelizmente.
É como você disse, é muito fácil fazer discursos sobre isto ou aquilo, contudo, na prática acabamos por agir diferente. O que nos resta é tomar consciência disto e eu acredito que blogueiros sejam, de algum modo, formadores de opinião. Ou ao menos colaboram para isto.
Vejo o blogue como você. Não sou um veterano, sequer tenho um ano de blogue e parabenizo-o por resistir por quatro anos. Espero conseguir o mesmo com o meu.
Acredito que a sobrevivência de um blogue venha do valor que o seu proprietário lhe dá, ao conteúdo que pretente expor, os que estão preocupados com status, popularidade, números e afins, não vão muito longe ou morrem na praia.
Neste pouco tempo de blogosfera também acredito que aprendi muito interagindo com todo o tipo de pessoas, aprendi coisas boas e até coisas ruins, como exemplos de como eu NÃO devo agir.
Parabéns pelos quatro anos e que venham mais.
http://escritoslisergicos.blogspot.com
Eu, como habitante do planeta São Paulo(às vezes acho que isso aqui é outro planeta), vejo muito de perto tudo o que você disse nesse post.
ResponderExcluirO Brasil inteiro fala mal da minha cidade, mas os problemas daqui são os mesmos de outras metrópoles. O que você relatou é uma evidência disso. O problema está é nas pessoas. Se os governantes têm sua parcela de culpa, então que votem melhor!
Ótimas refexões! Ótimo texto!
um abraço.
Parabéns pela postagem.
ResponderExcluirConcordo com diz que o problema está em todos nós. Acho que é exatamente isso. Não podemos esperar que os outros façam o que nós mesmo não fazemos.
Obrigado por sua visita.
Christian,
ResponderExcluirConcordo com você, o blog é como se fosse parte da gente mesmo. Obrigado pelo comentário e visita!
Ligéria,
ResponderExcluirExato, o problema está nas pessoas, estamos o tempo inteiro reproduzindo comportamentos que não são lógicos para o equilíbrio. Não adianta cobrar dos governantes se não mudamos a nossa forma de ver o mundo e o próprio papel dos governantes, obrigado pelo comentário!
Ewerton,
ResponderExcluirPois é, precisamos rever muitas coisas em nós mesmos.
Agradeço a visita e comentário!