Vamos deixar a ignorância de lado?
Antes de começar a tratar de assuntos complexos deixo clara a minha
opinião: não sou a favor do assistencialismo como meio de manter opressões. Mas
humanamente tenho de concordar que prefiro que algumas pessoas vivam com esse mínimo
oferecido, do que morram de fome. Claro que é preciso ir além, as pessoas
precisam de mais, merecemos mais. Muitas pessoas criticam os programas
assistenciais ampliados durante a era do governo Lula. Mas muitas pessoas não
possuem um nível crítico e olhar voltado para o social, a fim de compreender o
que estes programas representam.
Realidades ocultas
Você já presenciou alguém tendo de comer lixo? Já presenciou alguém
pairando por avenidas em busca de um lugar para se esquentar? Você já esteve em
casas onde não se tem saneamento básico e as crianças não tem o que comer? Você
já viu alguém vivendo em condições subumanas? Se você acha que a realidade é
aquela enfeitada e transmitida pelas Tv’s como matéria ou documentário no
domingo, sinto muito, mas você está enganado.
É muito fácil julgar e apontar superficialmente o que está errado. Quando
a juventude fútil e rica posta na internet que o seu papai ou a sua mamãe vai
ter de trabalhar mais para pagar Bolsa Família, esquecem que enquanto escutam
no seu iPhone ou no desktop/notebook
a música do momento, que há pessoas em situações de extrema miséria -- não é pobreza,
é miséria mesmo, condições assustadoras. E mais ainda: enquanto você se prepara
para um novo dia, relaxa e toma um bom banho após um jantar, há pessoas que
desejariam ao menos um pouco daquela água limpa que você bebeu ou deixou no
copo. É tão absurdo e assustador que de longe eu diria que não parecem seres
humanos pelo tamanho do estrago físico. Me assusto mais ainda tentando imaginar
o psicológico. E sim, esse assunto e essas realidades são de sua conta!
Certamente há falhas quando se pensa nos programas assistencialistas e em
cotas. Estou ciente de que há pessoas em condições razoáveis que recebem para
garantir a escova progressiva ou o chopp do final de semana. Completamente
desumanas a meu ver, mas não quero e nem tenho condições de julgar cada uma
destas pessoas que fazem o que faz.
Irrita também ver um candidato se vangloriando porque deu saneamento
básico, água, alimentação e luz para os mais pobres. Porque como o nome diz: é
básico. É o mínimo que alguém deve ter para conseguir viver bem. É um direito
que, em nossa mentalidade oprimida, consideramos como um favor. Mas passada a
exposição e o uso desenfreado destas pessoas em propagandas políticas, fico ao
menos contente: eles agora têm alguma coisa. Parece pensamento conformado, mas
não é. Se elas alcançaram esse pouco, numa previsão otimista, vão poder ir mais
além. Consequentemente, conseguindo mais. Chegará o dia que poderão conhecer e
viver a cidadania plena.
Se escrevo este texto longo hoje é justamente por ler comentários de
pessoas com nível de instrução, com estabilidade financeira, ditas
críticas-intelectualizadas, mas sem qualquer demonstração de solidariedade com
o outro. Averso aos nordestinos, com os mais pobres e com tudo que difere o seu
universo. Esquecem que na tão elitizada terra que vivem são alimentados os
programas chulos, as matérias e conteúdos que fazem tudo menos oferecer ao povo
uma condição mínima para sair da alienação política, social e cultural. É neste
lugar que elegem candidatos por achar engraçado e demonstram o quão preocupados
estão com a melhoria do país e consequentemente do mundo. É nestes lugares onde
as pessoas malmente se cumprimentam. Se isolam em prédios e muros e exibem os
seus méritos, tidos como troféus nesta sociedade descartável e a favor do mérito.
Sei que o mundo caminha em passos largos para o abismo do individualismo.
Cada vez mais temos medo um do outro. Cada vez mais as pessoas precisam
garantir o seu. Ouvi várias vezes
comentários sobre cotas, e aí fiquei assustado quando me disseram: ‘eu não tenho nada a ver com a escravidão e
com os negros que serviram de exploração’, é assustador imaginar que não há
um nível de consciência para perceber, que se hoje este indivíduo possui uma
casa para morar, os equipamentos mais modernos, para expor e desfrutar, e escolas
de qualidade para ir, é porque alguém foi explorado.
A escravidão foi uma condição imposta, não havia opção de escolha. O
mínimo que se pode fazer, diante da falha da educação e da falta de
possibilidades de inserção e dos valores que foram elencados por meio da
segregação, é oferecer mais oportunidades a estas pessoas, que também não
estiveram naquela época, mas que sofrem consequências daquele tempo, inclusive
o preconceito. É fácil dizer também que não há racismo, não há preconceitos
contra homossexuais, mulheres e índios. Que não existe aversão aos brasileiros
que vivem fora do eixo rico e culturalmente favorecido do país. Mas, na prática,
isso tudo soa como hipocrisia. É nestas horas que percebo o quão egoístas somos
e o quão tendemos em nos achar melhor e mais importante do que o outro.
Características de uma sociedade individualista.
Escuto comentários do tipo ‘tenho
de investir em segurança, tenho de gastar fortunas com saúde e educação para
minha família’ só que se esquecem de que muitas pessoas sonhariam em ter
essa preocupação, ou melhor, este fardo
de ter condições para dar conforto aos que convivem. Para uma grande maioria
que vive em extrema condição de risco, a preocupação é se chegarão vivas em
casa, se terão como garantir a alimentação dos seus filhos e se estes poderão
ir à escola precária que funciona no bairro.
Aí vem a questão: educação resolve tudo? Evidente que não, já tivemos e
temos exemplos de pessoas com tudo, mas sem o mínimo de sensibilidade e
consciência. Precisamos mudar as concepções e mentalidades e isso não é fácil.
O ensino brasileiro -- público e privado -- é deficiente? Demais! Precisa
melhorar? Muito! Mas no meio de tantas coisas ruins há pessoas dispostas a
mudar realidades, atravessando rios, ganhando muito pouco ou nada. Ainda assim dando
aos mais vulneráveis um mínimo de conforto e condições para que possa ao menos
conquistar a consciência.
As contradições da própria superficialidade
As pessoas querem falar de temas que não estão preparadas para refletir.
Como falar em eleição democrática, em campanhas limpas, de legalização do
aborto, de casamento gay, de desarmamento, de religião e ateísmo se as pessoas
não tem o mínimo de consciência da complexidade que estes assuntos carregam?
Evidentemente não é porque é complexo que não devemos tratar, ao contrário
devemos discutir e muito, mas tendo consciência daquilo de que estamos pondo
para o mundo.
Muitas não estão preparadas para isso, acham que julgar é mais fácil. Aceitam
verdades de tempos antigos, se esquecem de pensar no hoje e no agora. Acho que
falta um pouco de sensibilidade, falta imaginar-se no lugar do outro.
Então você com seu iPhone ouvindo as músicas do momento, quando resolver
falar que a vida é difícil, que acha estúpido alguém que vota por ter medo de
perder um benefício que lhes garante ao menos uma condição de se manter vivo,
que tem de viver pagando mensalidades e que merece mais, pense que atrás da sua
parede, talvez não muito longe, há pessoas vivendo em condições subumanas.
Pense que há outras servindo de comida para urubus porque não suportou viver
mais um dia com fome. Pense em encontrar memórias, reflita sobre acontecimentos
passados de tempos que não são propriamente seus, olhe mais para os lados, se
coloque no lugar do outro. Se alguém utiliza o assistencialismo como manobra
política já é outra história, assim como permitir ainda que pessoas vivam em
condições inacreditáveis.
Portanto, vamos deixar a ignorância de lado, deixar de contentar-se com
pouco, mas através de todo o pouco tentar obter o máximo. Reclamar é muito
fácil, mas agir nem tanto assim. Acho que no Brasil faltam pessoas para olhar
as coisas com mais seriedade, com a visão no todo. Na verdade pode ser uma
questão de autoestima, só precisam acreditar. Não defendo nenhuma corrente
filosófica, nem modelos autoritários, mas acredito que tudo pode ser melhor se
nos movermos e agirmos para tal. Mas para isso, precisamos vencer a ignorância
de achar que sabemos de tudo. Precisamos vencer a ignorância em nos limitarmos
ao que conhecemos e queremos conhecer. Vamos deixar a nossa ignorância de lado e
olhar para os lados?
Nossa amigo, brilhante!
ResponderExcluirVini! Muito bom o texto, você tem uma visão bastante humanizada, parabéns.
ResponderExcluirMas eu faria algumas ressalvas quanto às falhas que você mencionou, a respeito do bolsa. Eu diria que elas vão muito (muito mesmo) além da questão do chopp e da escova progressiva, sabe?
Por exemplo, existem famílias (e não são poucas) que estão gerando filhos (imagine?) para serem incluídas no programa, ou para não perderem o direito (existem requisitos que exigem que a família tenha um número x de crianças, além da renda máxima necessária ser per capta).
Tem gente saindo de emprego....
Foi implantada numa determinada cidade do interior da Bahia, a muito custo, uma cooperativa de costura. As mulheres dessa cidade receberam toda capacitação necessária, curso etc. Sabe quantas quiseram trabalhar no projeto, depois disso? Nenhuma. Elas trabalhariam de carteira assinada, e perderiam o benefício (uma conhecida minha trabalha no estado, atende ao SUS, e me conta cada coisa dos pacientes do interior...).
Tipo, eu não diria que é questão de ignorância, eu chamaria de, seilá, opinião. Tem gente que acha que seria melhor o governo usar os bilhões de reais do programa (no primeiro ano foram 8,2 bilhões) para, por exemplo, pagar e contratar professores, já que nunca sobra verba pra isso já que a copa e as olimpíadas vêm aí(o programa exige que os filhos estejam matriculados em escolas, mas... que escolas? Todo município tem escola funcionando?), aplicar na saúde ( outra exigência é que todos estejam vacinados, mas...em que postos? todo município tem posto funcionando?). Essa minha conhecida diz que os pacientes são unânimes ao dizer que, há alguns anos, ainda tinha remédio nas unidades públicas de suas cidades. Hoje não mais =O
O bolsa família, na minha opinião, deve existir sim. Mas aliado a outras políticas...
Olá Tea!
ResponderExcluirFico inteiramente feliz com seu comentário e suas ponderações.
Sim de fato é um assunto complexo e concordo com você e até conheço casos como este que vc mencionou - de querer ter mais filho para garantir o benefício ou ainda não querer buscar emprego ou deixá-lo. Não quis nem retratar no texto, porque é uma situação extremamente complexa e complicada, provavelmente daria mais umas três páginas. rs.
Mas, quando eu disse da questão do chopp e da progressiva, de maneira bastante simplista diante da complexidade do assunto, quis me direcionar em especial a esta parcela que utiliza os benefícios sociais da maneira mais absurda possível, até mais do que o sujeito que deseja ter mais filho e não trabalhar, porque se olharmos bem, estas pessoas ao menos possuem um nível de instrução, já que possuem alguma estabilidade financeira, ainda que tênue.
Mas para ambos os casos, acredito que falta cidadania e consciência dos seus atos. Mas como vc mesmo ponderou e de forma excelente, assim como abordei no texto, como cobrar se não há meios que alimentem esta expectativa?
Como eu disse, o programa tem falhas, falta fiscalização e uma série de outras coisas, mas mais do que isso falta a cidadania e responsabilidade.
Sou contra programas assistenciais, mas, como eu disse, ainda que exista pessoas não querendo trabalhar, outras gastando no chopp, outras pensando em filho, e mil e uma situações do 'jeitinho brasileiro' de transformar e usar as coisas, há pelo menos alguém que usa este dinheiro para não morrer de fome. E isso, na minha visão humanística, acho válido.
Acho que nós, brasileiros, precisamos por em prática a tão falada cidadania para só assim conseguir mudar quadros como estes. Sem dúvida alguma há muitos mais casos além da progressiva, do chopp, do não querer trabalhar, dos filhos, mas é complicado pedir consciência se esta não consegue ser implantada.
Mais uma vez, muito obrigado e sinta-se a vontade a voltar aqui no blog, fiquei muito feliz mesmo com seu comentário. rs
Pois é, gostei do texto porque você tocou num aspecto que, embora todas as falhas absurdas do programa, tem sua importância.
ResponderExcluirVou voltar sim, achei seus posts muito politizados e inteligentes (lê-se: me sinto cult por aqui, hehe).
=*
Aii aii, será q só eu amo o Vinny? Guri, tu vai longe hein! Falou tudo e mais um pouco
ResponderExcluirBjos
Vini,
ResponderExcluirGostei muito de seu texto, uma reflexão madura e correta a respeito da realidade do país e da nova sociedade que está nascendo. É um alívio perceber que uns gatos-pingados poderão um dia fazer parte da elite intelectual brasileira.
Concordo com você e com Tea quando falam das brechas no Bolsa Família. É fato que quaisquer programas assistencialistas podem ser burlados, especialmente num país onde, embora qualquer trâmite exija enorme burocracia, a fiscalização e a atualização de registros é falha.
Também não sou a favor do assistencialismo, mas não sejamos crianças: ganhar terreno ajudando os miseráveis é uma característica de governos populistas como o do PT. Minha contrariedade,entretanto, não foi suficiente para me impedir de votar na candidata do PT. Não serei beneficiada em nenhuma instância pelos programas lulistas: não recebo Bolda-Família, Vale Gás, sequer tive direito a cota. Mas isso não é razão para ignorar o fato de que são esses programas que vem ajudando na vida de muitas pessoas.
Sim, o assistencialismo é uma maneira de enganar a população. Em vez de ser um paliativo enquanto o governo se dedica a melhorar as condições sociais, nas gestões populistas os programas ganham papel principal. Tenho plena consciÊncia disso, mas não vivemos numa utopia, não temos um partido que realmente esteja interessado em mudar nada e, se estiver, não o conseguirá em 8 anos. Como diz o ditado: quem não tem cão, caça com gato.
Espero sinceramente que a classe média e os jovens da atual geração entendam tudo isso e deixem um pouco de lado a educação de caráter exclusivo e eugênico que receberam, para olharem um pouco pela janela. O Brasil tem mais do que um IPhone para garantir a seus moradores.
Não li os outros comentários para não ser influenciado, mas não consegui entender direito sua postagem, no começo parece que você está contra uma sociendade capitalista que é a que vivemos, na outra parte você diz que com um pouco de esforço todos conseguimos o que queremos, e no fundo, todos queremos o que o capital (grana) nos dá, para alguns só o suficiente para viver o hoje.
ResponderExcluirBem maninho, não sou a favor da desigualdade, mas passei a acreditar que tudo o que vivemos é questão de projeção, ou seja, podemos ser o péssimo sabe, mais se desejamos devemos ir atráz e não esperar as coisas bem pequenas dar certo. Vejo muitas pessoas com medo de passos largos pois a caida é maior, mas só assim eles vão conseguir. Sei lá cara, isso é coisa de pscologia-social. Abraço
Parabéns pelo texto, Vincius! Muito bom.
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