O reflexo do espelho de Emma Thompus
Capítulo 2
Março de 2013
Lembranças são tão inúteis, não? Uma mistura do perigo, dano e contágio. Queria que a sua lembrança não fosse constante, Emma. Seria tão mais fácil e melhor se eu me lembrasse do que comi todos os dias de minha vida, para não lembrar-me de você e das coisas que foi e das que fomos capazes de fazer. Sinto saudades da época em que tinha paz e não me dava conta de que estava em paz.
Hoje me pergunto, após colecionar mais datas e decepções: o que houve entre nós e comigo? Como conviver com um fantasma tão severo e pesado? Você olha em meu rosto com naturalidade e desvia dos meus olhos, justamente por não conseguir perceber o quão destruidor foi o seu rastro.
As lembranças repentinas funcionam como uma espécie de soco no peito cada vez que percebo que tudo que fiz não valeu a pena. Valeria se algo estivesse sido salvo. Contudo, o que se salvou? Mal me salvei desses sentimentos opressores, da destruição da esperança e credulidade nas relações. O quê? Uma amizade que não se sabe direito o quê é? Uma amizade que é capaz de fazer coisas e agir de forma cínica, como se o outro lado fosse passível desse mesmo teatro? Não, Emma, eu não consigo agir como você, talvez por isso tenha pedido inúmeras vezes que eu abrisse as minhas portas e barreiras, em conversas de adultos, sobre a racionalidade em agir e controlar sentimentos. Você os controlou? Pensou sobre as suas necessidades afetivas, nos papéis que pediu silenciosamente para que eu cumprisse? Transferir para os outros é a saída mais rápida e fácil. Descartar pessoas, após usá-las para tais necessidades, também. Como consegue dormir e olhar para si?
As lembranças são mais do que fantasmas, porque elas são contagiadas de angústia, medo e frustração. Penso: se mesmo tendo aberto todas as minhas portas e barreiras, como pediu, para que me compreendesse, você foi capaz de fazer as coisas que fez -- embora acredite que nada disso tenha sido nocivo -- isso é amizade? Ah, já sei até a sua resposta: ‘era uma oportunidade e eu senti vontade, que bobagem sua se importar com isso, Adam. Você é tão sentimental, se dói por tão pouco’. É uma boa resposta, Emma. Mas será que ela é compatível se confrontada com um amor e cuidado com o outro? O que é ser amigo para você? Você não tem mais 13 anos e já pode se considerar responsável pelos próprios relacionamentos. E não existe “se dói por tão pouco”, não com você, que é refém de si mesma. Parece que há visões opostas neste assunto. Pergunto-me se é esse o sentimento de amor que nutre por pessoas que faz questão de ter um relacionamento. Acho que entendi bem as coisas, não existe esse ‘fazer questão’ do seu lado.
Lembranças severas, inúteis e amargas. Olho para você e não consigo ver uma única expressão, uma face, uma verdade. O que existe em você de real? Lembra-se do dia em que parecíamos felizes? O quê eles eram? Hoje eles são flashes apagados, porque conseguiu apagá-los. Pior: da maneira mais nociva possível. Deixou tudo em carne viva. Pergunto-lhe: como se sente diante de tal feito? Feliz? Pouco se importa? Não me espantaria respostas desse tipo, quando seu sorriso é sádico e as suas ações e convicções também. Mas não imponho culpas. Quando a gente pensa só na gente o tempo inteiro, fica difícil conseguir visualizar o quê se faz com o outro. Difícil visualizar qualquer coisa, mesmo que em carne viva. É quase uma doença.
Suas lembranças me são úteis? As fotografias que tiramos? Os presentes dados a você? Os abraços? Algo disso serviu para qualquer coisa? Sinceramente não tenho respostas, mas existe uma coisa na qual eu não gostaria de ser: a sua consciência futura. Uma hora ou outra você se dará conta do que é capaz de fazer nessa sua incansável fome. Mas não é uma fome comum, é uma fome por pessoas.
Lembra-se da vez em que te disse que é de pessoas que você se alimenta? São elas que te permitem ser o que é. Elas conduzem a sua performance com maestria. Porém, exércitos de vítimas não conseguem trazer-lhe a paz ou a sensação do conforto, menos ainda em livrar-se da ansiedade por mais. Não acho que deva se orgulhar por provocar tantos sentimentos ruins por ser você mesma, talvez essa seja a hora de mudar o que você considera sólido e saudável. Você se esconde no próprio egoísmo, frieza e cinismo do maior de todos os perigos: o reflexo dos seus olhos no próprio espelho. É assustador ser quem você é, Emma Thompus.
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Acompanhe a história:
Capítulo 1: Emma Thompus
Capítulo 2: O reflexo do espelho de Emma Thompus
Capítulo 3: A consciência de Emma Thompus
Capítulo 4: Um amor cru demais para continuar
Capítulo 5: Sobre os meus planos de superação, Emma
Capítulo 6: O luto que não vivi
Capítulo 2: O reflexo do espelho de Emma Thompus
Capítulo 3: A consciência de Emma Thompus
Capítulo 4: Um amor cru demais para continuar
Capítulo 5: Sobre os meus planos de superação, Emma
Capítulo 6: O luto que não vivi
Capítulo 7: O luto severo
Capítulo 8: Stalker
Capítulo 9: Despedidas
Capítulo 10: Casualidades
Capítulo 11: Cada segundo é inesperado
Especial: Uma carta para os desencontros
Capítulo 12: Segure firme
Capítulo 8: Stalker
Capítulo 9: Despedidas
Capítulo 10: Casualidades
Capítulo 11: Cada segundo é inesperado
Especial: Uma carta para os desencontros
Capítulo 12: Segure firme